Candidaturas vão surgindo

Padre João Medeiros Filho

O dia dois de abril passado foi um marco cronológico para aqueles (antigos e novos) que este ano se candidatama mandatos eletivos: executivos e legislativos. A palavra candidato deriva do latim “candidatus” e significa vestido de branco (cândido). Na Roma Antiga, os postulantes a funções e cargos públicos envergavam uma veste dessa cor, simbolizando a sua dignidade e pureza. Antes da eleição ou nomeação, usavam uma espécie de túnica (semelhante às dos sacerdotes nas cerimônias litúrgicas), para serem identificados e diferenciados dos demais habitantes. Tal vestimenta era símbolo de vida ilibada, integridade e idoneidade moral. “Quantum mutatus ab illo” (como as coisas mudaram), já dizia o poeta Virgílio, colocando nos lábios de Eneias este lamento e desabafo (cf. Eneida, II, 274).

Por que se trajavam de branco e não de outra cor? Quando os cidadãos descobriam que alguém não era ético ou honesto atiravam lama em suas vestes alvas. A sujeira sobressaía rapidamente. Ainda hoje, é importante aos que aspiram a vida pública ter suas vidas – e não apenas as roupas – limpas e idôneas. Não é esse o sentido dachamada Ficha Limpa? Todos os pretendentes de hoje fazem jus à semântica e etimologia do vocábulo candidato? Os mais mordazes perguntam, em tom satírico: será por isso que vários políticos, nos dias atuais, preferem usar ternos escuros?

Talvez alguns não estejam conscientes da existência de candidatos que servem de escada para a vitória eleitoral de políticos por eles desaprovados. Pela legislação vigente, o pleiteante, para ser eleito, deverá atingir o quociente eleitoral. Eleitores inadvertidos imaginam que postulantes a deputados ou vereadores, detentores de uma votação expressiva, serão automaticamente eleitos. Ledo engano. Alguém de um partido poderá ser escolhido, mesmo recebendo individualmente menos votos que um aspirante de outra legenda. Basta o partido de um atingir o quociente eleitoral e o do outro não o alcançar. Na história eleitoral brasileira, poucos concorrentes a mandatos eletivos obtêm sozinhos votos suficientes para preencher o famigerado quociente. Este é calculado pela Justiça Eleitoral, desse modo: somam-se os votos de todos os concorrentes do mesmo partido, acrescidos dos votos de legenda (aqueles sufragados apenas para um determinado partido, sem indicação individual). Em seguida, divide-se o total dos votos válidos pelo número de cadeiras destinadas a deputados e vereadores, resultando daí o quociente eleitoral.

É preciso ficar atento ao escolher em quem se vai votar, pois poderá servir de degrau para a ascensão de pessoas, cuja prática política é condenada por falta de ética, improbidade administrativa, ausência de decoro parlamentar etc. Esquece-se hoje a recomendação do apóstolo Paulo ao discípulo Tito: “Aprendam também a destacar-se pelas boas obras, sobretudo nos casos de necessidades [dos irmãos]. Assim não sereis improdutivos.” (Tt 2, 14). Enquanto não acontecer uma reforma política séria no Brasil, o sistema eleitoral funcionará com tal perversidade e injustiça.

Pela Lei 14.208/21 (alterando os diplomas legais 9504/97, 9096/95 e outros), passam a ser permitidas as federações partidárias, ou seja, a união de vários partidos para a eleição de um concorrente a cargo majoritário (presidente, governador, senador e prefeito). Entretanto, não se pode esquecer que no Brasil certos partidos têm seus donos. Desta forma, novos pretendentes a cargos proporcionais servem de trampolim e acabam elegendo os mesmos políticos. Atualmente, ao sufragar determinado postulante, caso este não seja eleito, pode-se estar elegendo alguém cujo perfil político não se aprova. É muito importante conhecer a nominata (relação dospostulantes) do partido ao qual seu candidato pertence.

Vale refletir sobre as palavras do sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira: “mais triste e grave que a derrota é a frustração de pessoas bem-intencionadas, entretanto desinformadas. Ao se apresentarem como candidatos, mobilizam parentes e amigos para a campanha eleitoral. Terminados pleito e apuração, percebem que sua votação só serviu para engordar o quociente eleitoral do partido.” Tardiamente, descobrem que eram apenas candidatos escadas. Diz-se que no Brasil, quem vota é a pessoa física, mas quem elege é a pessoa jurídica. Portanto, convém estar informado a esse respeito. O Senhor estará a teu lado e te guardará para não caíres na armadilha.”  (Pr 3, 26).