BC vira ilha de racionalidade

O Banco Central tem se tornado uma ilha de racionalidade no governo. Ontem, a análise de conjuntura do Copom alertou que a recuperação da economia ganhou uma incerteza “acima do usual” com o aumento de casos na pandemia e o fim do auxílio emergencial na virada do ano. O risco é de uma desaceleração mais forte, ao contrário do que diz o Ministério da Economia, que a todo momento tenta provar que há uma recuperação em “V” no nível de atividade. Também disse que o crescimento é desigual entre os setores e reconheceu que a inflação nos últimos meses veio acima do esperado. Para dezembro, a taxa deve se manter elevada, com reajustes de mensalidades escolares e aumento na energia elétrica. No mercado financeiro, a interpretação é que o tom está mais duro, e por isso as apostas são de que o Banco Central voltará a elevar os juros em algum momento do ano que vem.

No início da pandemia, o presidente do BC tinha o hábito de ligar semanalmente para o ex-ministro Henrique Mandetta, para fazer atualizações de cenário da pandemia. No mesmo período, o Ministério da Economia adotava o negacionismo, para tentar evitar as medidas de isolamento social. Na área fiscal, Neto alertou em novembro que o país precisa de um “plano claro” que passe credibilidade sobre o controle da dívida. Guedes não gostou, mas de lá para cá, nada aconteceu por parte do executivo. Todas as propostas de ajuste foram empurradas para 2021 porque o governo entrou de cabeça na sucessão do Congresso e não quer apresentar medidas econômicas polêmicas que possam interferir nas negociações com os partidos.

A bola fora de Campos Neto foi ter dito na reunião ministerial de abril que a mídia “jogava medo” na pandemia com informações enviesadas, e por isso as famílias permaneceriam de qualquer jeito em casa. Ainda assim, o balanço dos últimos meses mostra que o BC tem feito contrapontos importantes e mantido um mínimo de racionalidade no debate econômico do país.

Dinheiro barato vai pra bolsa

Quem acha que a alta das bolsas reflete o vigor da recuperação mundial precisa olhar para o gráfico abaixo. Ele mostra a expansão monetária promovida pelos bancos centrais, algo nunca visto, nem mesmo na crise de 2008. Os BCs têm comprado títulos dos tesouros, o que na prática aumenta a quantidade de moeda em circulação na economia. Com juros reais negativos, esse “excesso de liquidez” vai parar em vários mercados, seja de empresas, commodities ou moedas de emergentes. A Mauá Capital estima em US$ 8 trilhões o aumento monetário em 2020, e o mercado já precifica novas expansões, como mostra a linha pontilhada.

monetário_bcs

Bolsonaro contra privatização

A fala de Bolsonaro em São Paulo, contra a privatização da Ceagesp, veio no mesmo dia em que o Tesouro divulgou o balanço das estatais. O relatório detalha o que todos sabiam: nenhuma das 46 empresas de controle direto da União foi privatizada no primeiro ano de governo. Petrobras, BNDES, Caixa, BB e Eletrobras representam 86% do patrimônio das estatais. Qualquer plano que não inclua a venda dessas empresas terá pouco efeito sobre a economia.

Blogs/O Globo