Por Kakay
“As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas muito mais que lindas, essas ficarão.” –Carlos Drummond de Andrade.
Caetano conta que, uma vez, chegou na casa de Caymmi e esse disse que tinha algo genial para mostrar. Foi levado a um quarto onde tinha uma cadeira na frente de um ventilador. Ele não entendeu e perguntou o que era.
Ouviu como resposta que Caymmi havia colocado ali aquela cadeira para nela se sentar com o ventilador ligado virado para ele. Assim, ele pensava a vida e deixava a criatividade tomar conta. Penso que esse fato e esse diálogo só poderiam ter acontecido na Bahia, terra abençoada. Escrevo isso para refletir sobre como o mundo de hoje exige das pessoas um ritmo que afasta a reflexão e impõe uma velocidade que impede, de certa forma, o tempo certo da maturação das ideias e até dos afetos. Cansa o mundo de notícias 24 horas, o número chocante dos grupos de WhatsApp e as respostas que, muitas vezes têm que se antecipar às perguntas.
Os detalhes da vida, esses que compõem um certo caleidoscópio e que nos define, ficam à beira do caminho. Sem tempo para nós mesmos, deixamos de ter tempo para os outros. Como nos lembrava o matuto Manoel de Barros: “Ando muito completo de vazios”. E a vida segue, independente, o seu curso inexorável. Sempre que viajo bem cedo e vou para o aeroporto em Brasília, pego um trajeto que mostra uma imagem, para mim, tocante. E que me faz pensar na finitude da vida.
Em uma reta em frente a um conjunto de casas, eu passava, há anos, por um grupo de senhores que fazia uma caminhada matinal. Conhecia vários deles. Andavam com desenvoltura e conversavam avidamente. Era sempre o mesmo grupo, perto de 10 amigos. Ao longo do tempo, os cabelos foram rareando e ficando brancos, os ombros curvados, os passos mais lentos e cuidadosos. Mas, principalmente, e que me dava certa angústia, foram diminuindo o número dos companheiros de caminhada.
Agora, restam 2 que andam bem vagarosamente, como que querendo segurar o tempo, impedindo-o de passar. Bem curvados, eles parecem que olham para o chão, talvez à procura dos passos dos que já se foram. Essa imagem é um quadro que dói em mim. É sobre a inevitabilidade do transcorrer do tempo. Hoje, passei outra vez correndo. Uma São Paulo densa e tensa me espera. Como sempre, ela não sabe de mim, eu é que corro para os inúmeros compromissos que me aguardam na cidade indecifrável. Só que desta vez não estou indo trabalhar como sempre.
Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida.”