Inteligência artificial poupa tempo de processos seletivos e promete resultados mais assertivos. Profissionais de RH, no entanto, não são substituídos.
Entregar currículos na porta das empresas? Enviá-los por e-mail e ficar esperando uma resposta? Participar de um processo seletivo que se resuma a uma entrevista? Essas práticas estão sendo substituídas pelo uso da inteligência artificial que incluem até jogos, desafios de lógica e robôs na seleção dos candidatos.
Aplicativos e sites tentam modernizar as técnicas de recrutamento para economizar tempo e atrair candidatos mais jovens ou adaptáveis. O contato pessoal com a empresa vem só nas fases finais (leia mais abaixo).
Essa tendência de usar a tecnologia como método de seleção representa também uma mudança de perspectiva das empresas: elas não querem só saber a universidade onde alguém se formou.
“O diploma mostra qual graduação você fez. Mas, quando algum game é proposto, por exemplo, consigo ter acesso a muitas outras informações – um jogo propõe desafios e o candidato mostra quais estratégias usa diante de dificuldades”, explica Márcia Ballariny, professora de planning for branding da ESPM-Rio.
Segundo a docente, isso ajuda a empresa a trazer alguém que tenha a ver com a vaga e que não vá pedir demissão ou ser demitido dali a 2 meses. É importante ter alguém rápido? O game ajuda a selecionar a pessoa com o perfil certo.
“Não é justo eliminar um candidato que tenha vindo do interior e cursado uma graduação mediana. A perseverança dele pode acrescentar muito à equipe. Há 10 anos, era diferente; hoje, queremos diversidade”, completa Márcia.
Os robôs ou “bots”
Além de games, há o uso dos chamados “bots”, espécies de robôs que conversam com os candidatos em chats online. O publicitário Kleber Piedade, em junho de 2017, fundou a Matchbox exatamente com esse foco – elaborar processos seletivos com base em bots.
“Existe uma procura crescente de empresas por processos de seleção automatizados. A gente elabora uma experiência de inscrição e recrutamento muito mais ágil e fluida, sem aqueles formulários longos que perguntam até os nomes dos pais do candidato”, conta Kleber. “É a tecnologia sendo usada para que as empresas ganhem tempo na seleção.”
Quando a Matchbox é procurada por uma empresa, ela cobra de R$ 30 mil a R$ 150 mil para formular os testes personalizados – o preço varia de acordo com o número de vagas a serem preenchidas.
Ela cria personagens que conversarão com os candidatos e enviarão perguntas sobre dados pessoais ou conhecimentos de inglês, por exemplo.
“Dá para colocar vídeos, perguntas, imagens, áudios. O principal uso da ferramenta é para programas de trainee e de estágio, que recebem muitas inscrições”, explica o CEO da empresa.
Agilidade e apelo jovem
Esses novos processos seletivos facilitam, inclusive, a participação de candidatos que moram longe dos grandes centros urbanos. Mesmo nas entrevistas, é possível usar programas de interação em vídeo, como o Skype.
As empresas também têm a ganhar: além de avaliarem mais habilidades dos candidatos, conseguem ganhar tempo – a inteligência artificial filtra os currículos que têm mais a ver com o perfil da vaga. Deixa de ser necessário avaliar páginas e mais páginas de inscrições.
Márcia, da ESPM, explica que, para atrair recém-formados e jovens em geral, não basta ser digital. “Precisa ter boa interface para o celular. Se quero atingir essa faixa etária específica, preciso saber onde ela está. E não é nos desktops”, diz.
Há um ano, Renato Dias fundou o Taqe, um aplicativo de celular que funciona como um jogo para capacitar jovens e recomendá-los ao mercado de trabalho. Eles se inscrevem, assistem a vídeos de conteúdo e fazem testes de personalidade, de conhecimento e de lógica.
Com os resultados, o sistema detecta um perfil do candidato e elabora uma ficha com suas características. Depois, faz um cruzamento de dados com as vagas disponíveis, cadastradas por uma das 15 empresas parceiras – até dar “match”. Há oportunidades no Santander, na Nestlé e na Danone, por exemplo. O empregador recebe uma lista com os jovens que mais se encaixam naquela proposta – e os candidatos são informados sobre quais vagas têm o perfil deles.
“Nosso foco é para jovens de 16 a 24 anos, das classes C, D e E. É um olhar de impacto social, porque percebemos que essas pessoas são muito afetadas pelo desemprego e não têm clareza sobre suas potencialidades, talentos e caminhos possíveis”, diz Renato. “Elas estão acostumadas a nem receberem um retorno dos processos seletivos. Na Taqe, a gente ajuda que expressem quem são, sem precisar de um currículo.”
E a profissão de RH nisso?
Apesar de toda a automatização dos processos seletivos, os profissionais de RH não estão sendo substituídos pela inteligência artificial. As entrevistas ainda ocorrem pessoalmente, mas em fases mais avançadas, quando já foi feita uma triagem de currículos e selecionados os mais interessantes para a vaga.
“Por mais que ocorram revoluções, a gente ainda precisa de seres humanos no processo”, diz Maria Amália, professora do curso de gestão de pessoas e RH na Anhembi Morumbi (SP).
Kleber, CEO da Matchbox, reforça a necessidade de o profissional de RH se manter atualizado e acompanhar as novidades da área.
“O setor passa a trabalhar com outras áreas, como de engenharia, de administração e de tecnologia. Precisa ter essa visão complementar”, afirma. “E é bom lembrar que nada vai substituir os recrutadores. Os meios tecnológicos vão poupar tempo das equipes de recursos humanos e entregar resultados mais assertivos.”
G1