Padre João Medeiros Filho
Em 1965, de retorno da Bélgica ao Brasil, no início de minha vida sacerdotal, li alguns poemas de Adélia Prado. Influenciou-me também uma crônica de Carlos Drummond, publicada em 1975, sobre a poetisa de Divinópolis (MG). Assim afirmou: “É lírica, bíblica, existencial. Faz poesia com a fé e oração.” Ao longo dos anos, fui conhecendo e saboreando os versos adelianos, cuja autora pode ser considerada uma das maiores poetisas brasileiras da atualidade. Decorridos tantos anos, não tive a alegria de conhecê-la pessoalmente. O que mais me encanta em sua poesia é a capacidade de harmonizar a beleza existente no mundo com a profundidade inefável do mistério divino. Louva a corporeidade de Jesus e desvela o mistério da Encarnação, assumido por Cristo, “o Verbo feito carne” (Jo 1, 14). Adélia, em versos inspirados pelo Transcendente, revela que o poema ao irromper à mente, há de obedecer Àquele que é o Senhor da Palavra. Não há como fugir. E o que brota em forma poética é pura vida, fome e sede de graça, louvor e gratidão.
Adélia declara esse apetite vital que a possui, ao escrever: “Não quero a faca nem o queijo, e sim a fome.” Dessa fome pela vida em todas as suas dimensões constitui-se a sua obra poética. E o que escreve, sendo fruto de especial inspiração, não pode desobedecer ao Eterno. A poesia da escritora mineira é semanticamente profética. E o profeta, ao ser tocado pelo Espírito, tem de anunciar as coisas que lhe foram reveladas pelo Altíssimo. E ainda que fale na primeira pessoa, ele expressa suas palavras na terceira: “Oráculo do Senhor”, “Assim diz Javé” etc. Deixa evidente que é Deus quem fala através dele. Isto pode ser sentido na poesia adeliana.
Assumindo-se publicamente católica e praticante, a poetisa traz para dentro de sua obra – tanto em poesia quanto na prosa – a experiência de sua fé e intimidade com o mistério de Deus, movida pela mística e espiritualidade do cotidiano de escritora. Não é a poesia a fusão de todas as expressões artísticas, inclusive da arte da Palavra? Ela não precede à filosofia, estimulando a razão, a partir da expressão da beleza, a qual permite à finitude tocar o Infinito? A escritora mineira não cessa de exaltar em seus poemas o ser humano na busca incessante de comunhão com o Sagrado ou Divino.
Toda a poética adeliana é permeada por essa visão sacra da existência humana, sacramento e templo de Deus. Todos os que admiram a poetisa de Divinópolis foram também agraciados com as duas premiações a ela outorgadas, em junho passado: os Prêmios Machado de Assis e Camões. O primeiro é o mais importante das letras no Brasil e o segundo, o maior reconhecimento no âmbito da literatura em língua portuguesa. Do alto de seus oitenta e oito anos, a vate mineira está prestes a publicar um novo livro, cujo título é marcadamente bíblico: “Jardim das Oliveiras”. Entre 1987 e 1994, viveu um período de recesso e retiro, rompido com a publicação de “O homem da mão seca”.
Em Adélia é desvelada a teologia poética, essa área de estudos e escritos na qual a ciência da religião interage com a estética, em todas as suas formas: literatura, teatro, artes plásticas, música etc. Em Adélia, consagrou-se aquilo que se convencionou chamar entre os teólogos cristãos de “teopoética”. E não é por demais afirmar que essa forma de saber científico recebe assim o maior incentivo possível para seguir abrindo e alçando voo, tangida pelo Espírito que sopra onde quer, proclamando as belezas da vida e da criação divina. O reconhecimento da excelência da escrita adeliana glorifica as letras, mas também a fé de todos aqueles que, lutando com a finitude e a fragilidade de sua existência, creem na beleza e no encanto de invocar a todo momento o mistério maior com o nome de “Abba-Pai” (Rm 8, 15). “Entre as mais nobres atividades do espírito humano estão as artes [inclusive a poesia]. Elas tendem a exprimir a infinita beleza de Deus” (Sacrossantum Concilium, nº 122). “Ó Senhor, eu cantarei eternamente a tua grandeza, de geração em geração. Anunciarei com meus lábios a tua fidelidade!” (Sl 89/88,1).