Nossa Senhora está entre as figuras primordiais do Advento, agraciada com inúmeros oragos ou títulos teológicos e poéticos, dentre eles, Mãe de Deus e Mãe dos homens. Eles se constituem em fonte inesgotável de poesia. Na história da humanidade, nenhuma criatura teve o privilégio de escolher sua própria mãe. Apenas Cristo pôde fazê-lo, pois, desde a eternidade, Ela estava nos planos divinos. Nestes refulgia com intensidade a vinda do Redentor, que nasceria de uma mulher, isenta do pecado. À Virgem atribuem-se as palavras do Livro da Sabedoria: “Ela é o reflexo da luz eterna, mais bela que o sol, espelho sem mancha do poder de Deus e imagem de sua bondade” (Sb 7, 25-27).
Os poetas costumam louvá-la em versos inspirados nos escritos bíblicos ou na devoção popular, enaltecendo os dons singulares com os quais Deus a dotou. A Liturgia das Horas a exalta diariamente com hinos poéticos e teológicos. A literatura universal é rica em poemas e odes à Mãe Celestial. Padre Anchieta, prisioneiro dos índios tamoios, escreveu em latim, nas areias da Praia de Peruíbe (SP), o Poema à Virgem, com mais de dois mil dísticos. Foi traduzido para o nosso idioma e comentado ricamente por Padre Armando Cardoso S.J. com o qual tive a alegria de conviver no Colégio Santo Inácio de Loyola, do Rio de Janeiro. Acompanhei de perto a esmerada tradução.
Numa passagem, São José de Anchieta compara Maria à Árvore da Vida, “fértil de frutos eternos, cujas raízes se escondem nas entranhas da terra e franças sublimes chegam às estrelas do céu.” Ao descrever o mistério da encarnação do Verbo, exclamou: “Uma sombra orvalhada, sobre suas entranhas virginais descansa, e meiga aragem sopra no horto cerrado de seu seio. No mesmo instante, o Verbo escondido ocupa o seu sacrário e a Virgem Mãe concebe o Autor da vida.”
Poder-se-ia recordar também os versos de Dante Alighieri, na “Divina Comédia”: “Virgem Mãe, por teu Filho procriada, humilde e superior criatura, por decisão eternal predestinada! Por ti se enobreceu tanto a humana natura, que o Senhor não desdenhou de se fazer, de quem criou, feitura.” O Papa Leão XIII, considerado em sua época o príncipe dos poetas latinos, no final do seu pontificado, tirou de sua lira a “Última prece à Virgem”, na qual enaltece Maria e os seus poderes: “Se eu atingisse o Céu, se contemplasse, por suprema mercê, de Deus a face, e, ó Virgem, teu olhar visse também… acolhe-me e se ali for eu um daqueles da cidade santa, direi eternamente que ao favor da Virgem Mãe devi ventura tanta.”
Dom Silvério Gomes Pimenta – arcebispo de Mariana e primeiro eclesiástico a integrar a Academia Brasileira de Letras – louvando a beleza da alma de Maria, escreveu: “Tu és mais linda que as estrelas e as flores … em ti mancha não há.” E Dom Francisco Aquino Corrêa, outro membro da referida ABL, proclamando a magnitude da Mãe do Criador, pergunta: “Quem fez o lírio de tua alma, ó Puríssima, quem fez as rosas dos teus lábios, ó Santa?” Não se pode esquecer, dentre a multiplicidade dos poemas marianos, os versos do vate mineiro Monsenhor Primo Vieira, outrora membro da Academia Santista de Letras (SP). Em belíssimas estrofes em seu livro “Litanias”, mostrando Maria como Porta do Céu (uma das invocações da Ladainha), rezou: “Porta do Céu à cuja entrada esquece o pecador as trilhas do pecado (…), da altura excelsa em que morais na glória, olhai os pequeninos sem história e a miséria de rojo pelo chão… Nós somos esses filhos que não param de caminhar nas réstias que ficaram da esteira luminosa da Assunção.”
Eis algumas das inúmeras exaltações poéticas sobre a Mãe de Deus. Contemplando com fervor o rosto de Nossa Senhora, a Compadecida – há séculos venerada e louvada pelos cristãos – vislumbra-se algo celestial em seu semblante e um fulgor divinal no seu olhar. É a Imaculada, a Mãe dos pecadores e aflitos, auxílio dos cristãos. O profeta Zacarias precedeu os poetas marianos, quando escreveu: “Exulta e alegra-te, filha de Sião, porque eis que venho e habitarei no meio de ti” (Zc 2, 14).
Padre João Medeiros Filho