Padre João Medeiros Filho
A violência está arraigada no ser humano. Quem perpassa pelas páginas da Bíblia, verá que ela se fazpresente, desde a morte de Abel. É também um dado na trajetória da sociedade (inclusive brasileira). Cada vez mais a vida é banalizada. Mata-se por qualquer motivo:para roubar um celular, relógio, tênis, por uma briga de trânsito etc. A vida está valendo pouco neste país chamado Brasil. O decálogo é facilmente esquecido e o seu quinto mandamento paulatinamente ignorado. Assassina-se por brincadeira. Além da morte corporal, há também a dareputação ou honra de outrem. Neste período eleitoral, pouquíssimos serão poupados da execração ideológica-partidária ou ética–moral. A categoria de adversário intelectual ou político foi extinta. Hoje, o opositor transformou-se em inimigo, que deve ser extirpado a qualquer preço. Não basta discordar ou divergir, é preciso aniquilar.
Infelizmente, até mesmo o termo homicídio, correto jurídica e semanticamente, está sendo destruído. De modo ignaro, por desconhecimento do português histórico e ausência de noções do latim, emprega-se até nos tribunais,convictamente, a palavra feminicídio em lugar de homicídio. O termo “homo” na língua do Lácio (mãe de nosso idioma) não significa macho, varão, e sim ser humano, seja qual for o sexo. Homem (masculino) na língua latina é “vir”, “masculus”, de onde provêm os étimos varão e macho. Juristas e gramáticos vão permitir o trucidamento do termo homicídio por conta de uma fantasia ideológica ou modismo linguístico? Aos defensores da linguagem neutra será uma incoerência usar a palavra feminicídio. O termo homicídio não encerra a conotação de “gênero” (sexo) de outros vocábulos.“Homo” é um étimo neutro, significa pessoa ou ser humano, sinônimo de humanidade.
Apesar do Brasil estar se tornando um país agressivo (o radicalismo político contribui para tanto), a maioria dos habitantes alimenta as virtudes da cordialidade e hospitalidade. Dir-se-ia que isto é também fruto do cristianismo. A violência com o nome de intransigência, radicalismo, aversão gratuita etc. é algo que vai predominando entre nós. Já grassa pelas ruas, no trânsito, em ambientes de trabalho e escolas, nos jogos virtuais,redes sociais e mídia, dentro e fora de casa. Vem fazendocom que as relações sejam abaladas por motivos fúteis. Agentileza está sendo substituída pela hostilidade. A família está se tornando aos poucos um espaço de intolerância e ausência de diálogo. Pais descontrolados podem gerar filhos desajustados, reproduzindo um ciclo patológico de geração em geração. Especialistas apontam que os índices reais de agressão doméstica são três vezes mais altos que os oficiais, pois muitas vítimas evitam denunciar seus agressores. No Brasil, segundo os ministérios públicos, doze mulheres são assassinadas diariamente.
Nossa pátria vem apresentando um perfil desociedade brutal, apesar da queda nas mortes violentas, registrada ultimamente. Em 2021, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil responde por 23% dos assassinatos de nosso planeta (cerca de 41 mil num total de 232.672), contendo apenas 2,7% da população mundial. Até os parlamentos que deveriam ser lugares de reflexão e debates em prol do bem comum, estão se tornando espaços de provocação e ringue de contendas partidárias ou rixas pessoais. As eleições existem para escolher parlamentares (do verbo francês “parler”: falar, conversar) e não pugilistas ideológicos.
Vive-se num mundo do terror. A paz está cedendo lugar ao medo. Há séculos, a Bíblia aconselha: “Não tenha inveja de quem é violento nem adote nenhum de seus procedimentos” (Pr 3, 31). As igrejas têm o dever de aplacar a violência. Após a Ressureição, Cristo saudava seus discípulos sempre assim: “A paz esteja convosco” (Jo 20, 19). Os cristãos pertencem à religião do Ressuscitado, por isso devem cultuar a vida e preservá-la. O último gesto de Cristo não foi a morte, mas a retomada da vida. Eis a missão de seus discípulos. Não devem permitir que aviolência domine. Ela é o resultado da falta de amor esentido de Deus. O ódio desumaniza e destrói. “O coração precisa ser pacificado para que a violência seja derrotada”, lembrava o saudoso Dom Nivaldo Monte. E Cristo no Sermão da Montanha ensinou: “Bem-aventurados os mansos, pois eles herdarão a terra” (Mt 5, 5).