A solenidade de “Corpus Christi”

Padre João Medeiros Filho
A Encarnação de Cristo é uma prova sublime de seu amor pela humanidade. Entretanto, Ele quis ir além, plenificando-a misteriosamente no sacramento da Eucaristia. É o que a Igreja celebra nesta quinta-feira. Nesse augusto sacramento, Jesus se dá mais ainda, transformando elementos materiais em sua própria pessoa. E assim, consagra o universo através de três de seus elementos: pão, vinho e água. A matéria inanimada torna-se suporte da divindade e glória do Verbo ali presente, porém invisível. Somente a fé pode fazer sentir essa teofania temporal, porém permanente, experimentando a presença divina de Cristo, concedida por Deus a seus filhos. Exclamou Teilhard de Chardin: “A Eucaristia também sacraliza a natureza e santifica o mundo!”
Jesus brinda-nos com seus dons. Garante-nos a profecia de Isaías, retomada pelo Mestre: “Vós todos que tendes sede, vinde à água. Vós que não tendes dinheiro, vinde comer e beber vinho e leite” (Is 55, 1). Eis uma alusão ao alimento espiritual oferecido gratuitamente pelo Senhor, por meio de seu Corpo, Sangue e doutrina. Incontestavelmente, temos sede de justiça, e muito mais da graça divina. A Eucaristia sacia nossa fome de valores transcendentais. Quem tem saudades do Mestre, vai buscá-lo na beleza dessa presença eucarística latente e silenciosa. E, mesmo silente, Ele deixa que sua mensagem repercuta no íntimo de cada um de nós, que se achega a Ele para mitigar todo tipo de carência.
Como a população de Cafarnaum, queremos estar com Jesus, interrogá-lo, ouvi-lo e Dele aprender os seus ensinamentos (Jo 6, 45). Homens e mulheres daquela região seguiam o Salvador, às margens do Lago da Galileia. Escutavam-no com tamanha atenção e alegria, que não sentiam o tempo passar. Estavam famintos e não havia condições de serem saciados naquele local. Cristo realizou, então, o milagre da multiplicação dos pães e se apresentou a todos como o Pão Vivo. A multidão não se conteve e pediu-lhe: “Senhor, dai-nos sempre deste pão” (Jo 6, 34). Nutridos pela força da Eucaristia, imitemos os discípulos de Emaús. Estes, após reconhecerem o Ressuscitado, “partiram sem demora” (Lc 24, 33) para comunicar aos vizinhos e amigos o que tinham visto e ouvido.
A Eucaristia é o alimento dos peregrinos, o viático na dimensão semântica do termo, não apenas para os enfermos, mas também para os caminhantes. Vale lembrar as palavras ouvidas pelo profeta Elias, desanimado, cansado, como muitos de nós, em certos momentos da vida: “Levanta-te e come, porque ainda tens um caminho longo a percorrer” (1Rs 19, 7). Prometeu Jesus: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14, 18), largados à própria sorte. Legou-nos esse memorial, sinal de sua presença. Não quis que padecêssemos de solidão e abandono. Deste modo, fez-se Pão e permanência.
A Eucaristia prenuncia a eternidade, celebra o ingente banquete, no qual gozaremos o definitivo de nossa história, o encontro infindável do Pai com os filhos. Ela é Deus, em Cristo, apagando quotidianamente as saudades de nossa pátria e nossas origens, transfigurando-se em plantão da eterna solidariedade e ternura de Deus, que enviou seu Filho à terra para cuidar dos irmãos. O mistério eucarístico inclui a espera do Divino por nós, o abraço do Infinito que nos é reservado e antecipado, o acolhimento afetuoso de um Pai discreto e bondoso, que vem silenciosamente para dizer que nos ama e perdoa. Ficamos extasiados diante dessa manifestação de amor. Várias interrogações podem surgir nos corações dos fiéis que, não obstante seus questionamentos, encontrarão paz na intimidade de Cristo. Sustentados pela fé que ilumina os nossos passos na noite das dúvidas e dificuldades, pode-se exclamar, como o poeta Murilo Mendes: “
humanado!”
Teológicos e místicos são os versos de Gabriela Mistral em seu poema-oração (Diante
de Cristo do Sacrário): “Tu te tornaste pobre para nos fazer ricos. Quiseste ser partícula para que pudéssemos ser inteiros. Desceste à terra para nos levar à infinitude do céu. És meu Deus
Eu te proclamo grande e admirável
eternamente, não porque fizeste o sol para presidir o dia e as estrelas a noite, mas porque te fazes minúsculo na Eucaristia, tanto assim que qualquer um, mesmo pequeno e pecador, te
contém!”