O presidente Jair Bolsonaro colhe o que plantou. Está em pleno curso a guerra entre Executivo e Legislativo. Se não houver trégua – e rápido –, Bolsonaro será na prática refém de um Congresso que ontem mostrou saber agir unido quando desafiado.
Depois da ausência do ministro Paulo Guedes à sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a que fora convidado para explicar a reforma da Previdência, a Câmara aprovou em dois turnos, com votações avassaladoras de 448 e 453 votos, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que eleva o percentual de gastos obrigatórios do governo de 93% para 97%.
Se aprovada no Senado – onde o presidente Davi Alcolumbre prometeu agilidade –, o governo teria autonomia sobre apenas R$ 45 bilhões, num Orçamento de R$ 1,4 trilhão. Embora o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tenha negado, foi uma retaliação evidente aos ataques a parlamentares, em especial ao próprio Maia, nas redes sociais e em declarações do próprio Bolsonaro.
É a segunda vez que a Câmara vota um projeto em massa contra o governo (na primeira, derrubou o decreto que ampliava o sigilo de informações públicas). Não deverá ser a última. O Senado planeja levar a Plenário semana que vem um projeto que revoga a isenção de vistos a americanos, australianos, japoneses e canadenses, anunciada por Bolsonaro nos Estados Unidos.
Mais grave ainda: uma frente de 291 deputados se prepara para desidratar a reforma da Previdência, eliminando os trechos que mudam as regras do Benefício de Prestação Continuada (BPS), da aposentadoria rural e os que retiram futuras alterações de matéria previdenciária da Constituição, relegando o tema a leis comuns.
Antes prevista para ser votada na CCJ no próximo dia 3, a apreciação da reforma foi adiada pelo menos até dia 17. Não existe nem relator designado para o projeto. A rejeição no Parlamento a Guedes e seu projeto só cresceu com a ausência de ontem, manobra combinada com Maia para evitar a previsível transformação da apresentação em palanque para adversários da reforma.
O principal projeto que garantiria ao governo Bolsonaro fôlego tanto financeiro quanto político está nas cordas. As tentativas de salvá-lo partem de figuras no campo bolsonarista sem a menor experiência em articulações políticas de fôlego, como o ministro Onyx Lorenzoni ou a deputada Joice Hasselman.
A chance de que extraiam concessões significativas de caciques da Câmara ou do Senado é infinitesimal. A esta altura, qualquer reforma que venha a ser aprovada será uma sombra do projeto original, que previa economias superiores a US$ 1 trilhão em dez anos.
O embate com o Congresso resulta da inépcia do próprio governo, que levou ao Parlamento projetos concorrentes, como o de combate ao crime do ministro Sérgio Moro, propôs uma reforma vergonhosa na Previdência dos militares e se recusa a dividir poder para construir uma base parlamentar estável.
Qualquer estudante ginasiano bem informado sabe que, no presidencialismo brasileiro, o Legislativo, quando unido, tem mais poder que o Executivo. Bolsonaro conseguiu, graças a sua atuação desastrosa nas redes sociais, a suas inclinações ideológicas polarizadoras expressas em tuítes e “lives”, e a sua visão tosca e primitiva do que seja a atividade política, unir o Parlamento contra seu governo.
Mantém o clima da campanha eleitoral até agora. Comprou brigas inúteis com figuras que poderiam ajudá-lo a conquistar o Congresso, como Maia ou o ex-ministro Gustavo Bebianno. Só ontem decidiu mudar a chefia da comunicação do governo, para lançar uma campanha em defesa da reforma da Previdência – talvez tarde demais, pois os adversários têm dominado a agenda perante o público.
Bolsonaro foi ontem com sua mulher ao cinema, assistir a um filme que relata uma história de superação pela fé. Para superar a crise que ele próprio criou, ter fé não bastará. Será preciso muita negociação e muita articulação política, temas em que ele não cessa de dar demonstrações de sua incompetência flagrante
G1