Padre João Medeiros Filho
Pode-se verificar a forte influência exercida pela mídia sobre a cultura e o comportamento humano. Isso conduz a uma redobrada atenção sobre algumas desconstruções de conceitos fundamentais para o homem e a sociedade. O desinteresse pelo que é verdadeiro chega ao limite do tolerável. O pensamento pós-moderno – inspirado na dúvida cartesiana – questiona toda e qualquer verdade, fazendo com que a humanidade não dê mais importância ao que é certo ou errado. “Um dos maiores erros e pecados de nossos dias é a desonestidade intelectual, fonte de outras desonestidades”, afirmou o Papa Francisco. Parece não haver mais verdade, e sim interesses; direitos rechaçados por conveniências. Implantou-se o império do “politicamente correto”. Importa o que convém a alguns e não a objetividade dos fatos e realidades. Esquece-se o interesse coletivo ou o bem comum e cultua-se a egolatria.
Tangida pela onda do relativismo, a cultura atual busca desacreditar a milenar tradição que apresenta o conhecimento sob o ângulo da unidade da razão, isto é, a verdade em sua conceituação filosófica e ética. Em seu lugar, entronizam-se o oportunismo e a conveniência de ocasião. Muitas são as investidas em favor da fragmentação da verdade. Contrário a todo e qualquer projeto de veracidade, estabelece-se o reino dos sofismas e das mentiras em prol de interesses de alguns. Cada qual constrói para proveito próprio a sua versão, querendo impô-la como única e verdadeira.
Jorge Mario Bergoglio, no início de seu pontificado, denunciou a “ditadura do relativismo”, invadindo as instituições sociais, escolas e famílias, colocando em perigo a sadia convivência entre os homens. “Sem a verdade, não haverá paz”, concluiu o atual Pontífice. E continuou: “não pode haver paz, se cada um é a medida de si mesmo, reivindicando sempre e apenas os seus próprios direitos, sem se importar com o bem e o respeito aos direitos de todos” (Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, em 2013). Acompanha-se o surgimento de várias ideias contrárias à imutabilidade da lei natural. Ideologias, como a de gênero, a desconstrução da família etc. são bastante polêmicas. Dizer que a sexualidade de cada pessoa é algo subjetivo – desconexo da objetividade do corpo – é fechar os olhos e negar o princípio antropológico-biológico da identidade. “Se não sou eu o criador ou autor da corporeidade, não posso mudá-la. Isso é falso e ilusório”, assim se expressara o teólogo Joseph Ratzinger (mais conhecido como Papa Bento XVI).
Tais ideologias pretendem moldar – a partir de uma ação orquestrada e difundida mundialmente – “seres humanos”. Segundo a doutrina cristã, Deus não concedeu ao homem o direito e poderes de mudar radicalmente o que Ele criou. Há aqueles que defendem como lícito reconstruir, a seu bel prazer, o corpo humano, do qual não são autores. Trata-se de um descompromisso com a verdade e a lei natural, fundamento indispensável para edificar a comunidade dos homens e elaborar a lei civil. O sociólogo jesuíta padre Fernando Bastos d´Ávila, em brilhante conferência na Academia Brasileira de Letras (da qual era membro), assim se pronunciou: “Alguém tem escritura lavrada em algum cartório de que é dono exclusivo e absoluto da vida e do corpo”?
Quem se proclama medida única das coisas e da ética não consegue conviver e colaborar com o próximo e a sociedade (cf. Compêndio de Doutrina Social da Igreja, nº 142). Infelizmente, muitos encarnam analogamente a frase de Luís XIV: “l´état c´est moi”, querendo que sua vontade (ou a de seu partido) seja a lei! A negação ou o descaso da verdade (corolário da lei natural) gera uma cisão entre a liberdade dos indivíduos e o direito de outrem. É o que se assiste no Brasil de hoje. Auxiliados por Jesus Cristo, que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6), esforcem-se os cristãos para que seus atos edifiquem o saudável convívio entre os seres humanos e a promoção do reino da justiça e da paz. “É preciso estar atentos para que nenhum dos nossos sejam seduzidos por qualquer vento de vã doutrina” (Hb 13, 9).