A gratidão, virtude esquecida

Padre João Medeiros Filho 

A gratidão é uma das grandes virtudes humanas. Santa Teresa de Calcutá a definia como “delicadeza da alma.” Esopo a chamou de “virtude das almas nobres”. Jesus tratou do assunto com os apóstolos. Lamentou a ingratidão. Pode-se ler no evangelho de Lucas o relato da cura dos dez leprosos por Cristo (Lc 17, 11-19). Foram agraciados, após a súplica: “Mestre, tem compaixão de nós” (Lc 17, 13). Um deles, ao perceber que havia sido curado, voltou glorificando a Deus. Prostrando-se aos pés do Senhor, agradeceu-Lhe. Então lhe foi perguntado: “Por acaso, não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão?” (Lc 17, 17). Jesus ressaltou que apenas o samaritano voltou para render graças pela cura. Mostra-nos que a sensibilidade humana não é determinada pela raça, religião, cultura, nível de instrução ou condição social. É fruto de cultivo da personalidade e ajuda da graça divina. Ser grato transforma nosso coração, ilumina e amplia a nossa visão. Permite-nos entender a vida de modo diferente. Quem dá, participa do mistério do Pai Celestial, que concede tantos bens e graças a seus filhos. Agradecer é a consciência dessa gratuidade. “Senhor, deste-me tanto em minha vida. Dá-me uma coisa a mais: um coração agradecido”, rezava o poeta galês George Herbert.

Saber agradecer faz crescer no coração do homem o sabor pela bondade. Ajuda-nos a eliminar sentimentos que obscurecem a mente, fecundando o desejo de ser generoso. Dissipa aquilo que enfraquece a compaixão ou aumenta a indiferença. Ajuda a vencer a soberba e a inveja, bem como tantos vícios e erros de uma sociedade que adota dinâmicas desastrosas de disputa, mentira, injustiça e ódio. São Francisco de Assis escreveu que “a gratidão é uma das moedas mais difíceis de ofertar na vida.” Por isso, preocupava-se sempre em ser grato a tudo e a todos. Agradecia ao irmão sol por aquecê-lo e proporcionar vida à terra. Ao irmão vento, por acariciá-lo e à natureza nos dias de calor.  À irmã lua por brilhar e enfeitar as noites. Ao irmão sofrimento, que lhe permitia aprendizados sobre o viver humano. O exemplo do “Poverello” remete-nos a profundas reflexões neste tempo em que predominam insensibilidade, utilitarismo, desrespeito e desprezo pelo outro. Na desenfreada busca por sobrevivência e sucesso, vivemos encastelados, envoltos em problemas e desafios. Nesse tumulto de compromissos e dificuldades, não paramos para perceber tudo aquilo que Deus nos regala e, egoisticamente, esquecemo-nos do agradecimento.

Os amores dos filhos e netos que, aconchegados em nossos braços, parecem amainar as dores da alma, quem no-los ofertou? A possibilidade do progresso profissional e amadurecimento humano, as chances de desenvolvimento do intelecto, a paz interior, o bem-estar do espírito, quem nos concede? O corpo que é nosso instrumento de expressão, trabalho, convivência, emoções, quem no-lo presenteou? E nós, mal nos damos conta da grande bênção da saúde, quando nossa corporeidade, apesar das deficiências ou limitações, oferece-nos oportunidades riquíssimas.

Temos o costume de ser gratos a Deus e à vida pelas nossas conquistas e alegrias? E por que não sermos também agradecidos ao Pai pelo mal que não nos atingiu, pelas dores que não precisamos suportar? E mesmo que os dias difíceis nos cheguem à jornada terrestre, agradeçamos a dor, que lapida a alma imperfeita, fazendo brotar virtudes que ainda permanecem latentes em nossa intimidade. Deveremos sempre recordar que dependemos da bondade e misericórdia do nosso Criador, o qual nos sustenta na caminhada da via. Foi comovente a história de um idoso italiano, vítima do coronavírus quando, após a alta hospitalar, foi-lhe cobrado um valor alto pelo uso de oxigênio. Chorou efusivamente e exclamou: “Sou um ingrato, tenho isso dias e dias, anos e anos, gratuitamente e não percebia. Deus nunca me pediu nada em troca.” A gratidão será o sentimento que nos inundará a alma de bênçãos divinas, doce quietude e suave luz. Aqueles que a têm adormecida, é preciso despertá-la. É necessário cultivá-la e manifestá-la. Por se tratar de uma virtude cristã, os pastores devem lembrar sempre a sua importância e praticá-la. Digamos como o salmista: “Dai graças ao Senhor, pois Ele é bom. Sua bondade é infinita, incomensurável a sua misericórdia” (Sl 118/117, 1).