Padre João Medeiros Filho
Há poucos dados históricos sobre Santa Ana ou Sant’Ana. As referências que nos chegaram a seu respeito provêm do Protoevangelho de Tiago. Este documento data do primeiro século do cristianismo e não integra os escritos bíblicos reconhecidos pela Igreja. Apesar de ser um texto apócrifo, trata-se de uma importante obra da antiguidade cristã, citada pelos teólogos da Igreja Oriental, notadamente Epifânio de Salamina e Gregório de Nissa. O nome Ana provém do hebraico “Hanna” e significa graça. A genitora da Virgem Santíssima descende de Aarão. Segundo a tradição cristã, era esposa de Joaquim que, por sua vez, pertencia à estirpe real de Davi. Dessa nobreza, portanto, participam Maria e Jesus.
O culto à mãe da Virgem de Nazaré é bem antigo no Oriente, já solidificado no século VI. No Ocidente, remonta aos anos setecentos. Em 1584, Gregório XIII fixou em 26 de julho a sua festa. Entretanto, em Caicó (RN), a celebração acontece no domingo após esse dia, como iremos comentar adiante. A devoção à esposa de São Joaquim difundiu-se de tal modo que a Igreja lhe reserva o título de “Senhora”, concedido apenas a Maria Santíssima. Muitos católicos passaram a chamá-la de “Nossa Senhora Sant’Ana”. É patrona da Casa da Moeda do Brasil, por designação de Dom João VI. Exímia gestora e financista, dividia o salário do esposo em três partes: uma para a manutenção da família, outra para o culto e a terceira para ajudar os pobres.
Suas relíquias são veneradas em vários países, possuindo duas versões sobre sua presença no Ocidente. Conforme a primeira, em 710, trasladaram-nas de Israel para Constantinopla e, de lá, distribuídas para várias igrejas, estando a maior delas em Düren (Alemanha). De acordo com a segunda versão, levaram-nas para Apt de Vaucluse (antiga Apta Julia, perto de Avignon, na França). Narra-se que, durante os séculos XII e XIII, os cruzados, ao retornarem do Oriente, trouxeram-nas até aquela localidade da antiga Gália para que não fossem profanadas pelos pagãos. A caicoense Déa Vale Lopes Cardoso (cujos filhos mantinham uma casa de campo, nessa região) está empenhada em obter ali uma relíquia de Sant’Ana para a catedral de sua terra. Glorificado seja Deus nos seus santos, “louvai-o segundo a imensidão de sua grandeza” (Sl 150, 2).
Conta-se que nos anos de 1624 e 1625 Sant’Ana apareceu a Yves Nicolazic, na cidadezinha francesa de Auray, identificando-se: “Eu sou Ana, mãe de Maria. Deus quer que eu seja honrada aqui, onde havia uma capela e uma imagem em minha homenagem. Desejo um novo templo erguido neste local.” Yves obedeceu-lhe e cuidou de levar muitos conterrâneos ao lugar indicado. Lá, encontraram a antiga imagem, como havia sido dito. Dom Sebastião Rosmadec, bispo da diocese de Vannes à qual pertencia o lugarejo, mandou investigar os fatos, confirmados por peritos e especialistas. Em 1996, São João Paulo II visitou a basílica ali existente, beijando o secular relicário da santa, doação dos reis franceses.
Por que Caicó celebra a festa da padroeira no domingo subsequente a 26 de julho? A iniciativa partiu de Padre Francisco de Brito Guerra, pároco de Sant’Ana, de 1802 a 1845. Argumentou junto ao bispo de Olinda sobre a necessidade de participar, na qualidade de visitador diocesano, das festas da padroeira de Campo Grande e Santana do Matos, paróquias limítrofes e detentoras do mesmo orago caicoense. Deve-se lembrar que três vigários coadjutores de Padre Guerra eram (como ele) campo-grandenses e também dois sobrinhos seus, outrora párocos de Jardim do Seridó. Cônego Heliodoro de Sousa Pires, pesquisador paraibano, autor de Temas para a História Eclesiástica do Brasil, alude àquele fato. Monsenhor Francisco Severiano de Figueiredo (caicoense do distrito da Palma, que nos brindou com História da Arquidiocese da Paraíba) apresenta versão análoga. Segundo eles, o prelado olindense, Dom João da Purificação Marques Perdigão atendeu à solicitação do pároco inamovível do Seridó, concedendo-lhe a autorização nos termos requeridos. O estudioso presbítero Gleiber Dantas de Melo assevera que a alteração na data da festividade consta de edições do devocionário Escudo Admirável e do jornal O Povo. “Dai graças ao Senhor porque Ele é bom. Sua misericórdia é eterna” (Sl 118/117, 1).