A arquitetura jurídica (I)

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Os edifícios do Poder Judiciário são cheios de significados para a nossa compreensão do direito e da justiça. A própria ideia de edificar é um ato de poder. Significa o poder estatal e a relevância específica da atividade judicante. É uma arquitetura que se impõe e mesmo constrange. Ela visa tanto relembrar, rememorar, evocar e enaltecer como também instruir e inspirar. Ela busca conferir solenidade, dignidade, respeito e prestígio aos atos e às decisões ali proferidas. E muitos desses edifícios são também grandiosos, às vezes suntuosos, feitos para impressionar, admoestar, intimidar e até mesmo amedrontar.

Eduardo C. B. Bittar, em “Semiótica, Direito & Arte: entre teoria de justiça e teoria do direito” (Almedina, 2020), anota que essa “linguagem arquitetônica permite conferir dignidade e solenidade às decisões da justiça. Por isso, geralmente, a linguagem arquitetônica se vale do ornamento, da solenidade e da massa, além de uma decoração ostentatória para demonstrar a solenidade e a seletividade do ambiente de justiça, como demonstra o ensaio de Piyel Haldar na obra intitulada Law and the Image, de Costas Douzinas. Ora, o que se faz num Palácio de Justiça não é arbitrário, possui uma história e dá continuidade ao curso da civilização, desde o seu protótipo-fundador. É aí que o Palácio de Justiça revela uma forte investidura simbólica, que traduz, como afirma o sociólogo francês Antoine Garapon, três experiências fundamentais: a de um espaço separado, a de um lugar sagrado, a de um percurso iniciático”. Com efeito, “todas as ‘marcas’ simbólicas – em separado, e diferentes dos demais espaços sociais – fazem do espaço judiciário este lugar especial para as coisas da justiça, (…) na medida em que seu oposto é o reino da violência, da barbárie e da desordem”. E se é de dentro desses palácios que saem as sagradas ordens da justiça para cumprimento por todos que estão no espaço exterior, isso justificaria o investimento orçamentário-estético-simbólico feito nos edifícios.

Um exemplo típico dessa arquitetura, dessa carga simbólica, está no Palais de Justice de Paris, sito no 1º arrondissement da capital francesa, na Île de la Cité. Sua localização, no coração da Cidade Luz, já o torna um edifício icônico. Verdadeiramente “um lugar excepcional”, como afirma François Christian Semur, em “Palais de justice de France: des anciens parlements aux cités judiciaries moderndes” (L’àpart éditions, 2012).

O Palais de Justice de Paris é um complexo de edifícios construídos e reconstruídos ao longo da história da França. Sua origem está no Palais de la Cité, que foi residência e sede de poder dos reis da França, do século X ao XIV e do qual permanecem belos vestígios, como a Conciergerie e a Sainte Chapelle. Foi a casa de Felipe Augusto e de São Luís. E quando Carlos V transferiu a residência real, as instituições da justiça ali permaneceram. O Palais de Justice foi assumindo uma nova dimensão política, especialmente após a Revolução Francesa (1789). Hoje, o Estado Francês busca reforçar a atratividade cultural e turística da Île de la Cité. E o Palais de Justice, devidamente embelezado, tem um papel central nessa empreitada.

A fachada que domina a Cour du Mai, entrada principal do Palais de Justice de Paris, possui em estilo neoclássico com uma imponente colunata. E está encimada com signos verbais que evocam as tradições posteriores à Revolução Francesa (1789): Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Essa simbologia é muitíssimo importante. Significa a regeneração da ordem social, a legalidade, a legitimidade e, sobretudo, a expressão de um novo poder.

No cidadão, a simbologia da arquitetura jurídica atua para além do nível racional. Afeta inconscientemente os nossos sentidos: o tato, a audição e, sobretudo, no que toca à grandiosidade externa dos edifícios, a visão. Entretanto, como ensina C. B. Bittar, é “interessante notar que os elementos arquitetônicos do espaço judiciário serão, não raro, investidos de muita força simbólica, seja do lado externo, seja do lado interno, da construção arquitetônica”.

E é tratando da imersão dentro de um palácio de justiça, uma experiência interna, que continuaremos, na semana vindoura, esse nosso papo sobre a arquitetura jurídica.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL