O vídeo divulgado por Jair Bolsonaro após o anúncio oficial da exoneração de Gustavo Bebianno foi gravado por exigência do ex-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. O blog apurou que o conteúdo da fala do presidente foi minuciosamente negociado com o ministro demitido. Bolsonaro mimou Bebianno, recobrindo-o de elogios, no pressuposto de que receberá em troca o silêncio do ex-coordenador de sua campanha presidencial.
Elogios de Jair Bolsonaro deixaram demissão de Gustavo Bebianno sem nexo
Apenas Bolsonaro e Bebianno conhecem na plenitude os segredos que compartilham. Mas o desfecho da negociação sinaliza o potencial destrutivo de uma eventual inconfidência. Numa articulação que teve o ministro Onyx Lorenzonni (Casa Civil) como principal intermediário, Bebianno esclareceu que não aceitaria calado a “humilhação” de ser exonerado sob as pechas de desleal, incompetente e corrupto. Inicialmente, Bolsonaro deu de ombros. Comportava-se como se não tivesse o que recear. As conversas do final de semana suavizaram-lhe as convicções.
Bebianno exigia algo que se aproximasse de um pedido de desculpas. Sua principal referência era a entrevista que Bolsonaro concedera à TV Record na quarta-feira da semana passada, dia 13 de fevereiro, antes de deixar o hospital Albert Einstein, rumo a Brasília. Comparado com os termos dessa entrevista, o teor do vídeo pós-demissão transformou Bolsonaro numa espécia de ex-Bolsonaro. Antes, o presidente dissera uma coisa. Depois, declarou o seu oposto.
Na conversa com o repórter da Record, Bolsonaro deu asas à suspeita de envolvimento de Bebianno no escândalo das candidaturas laranjas do PSL: “Se tiver envolvido, logicamente, e responsabilizado, lamentavelmente o destino não pode ser outro a não ser voltar às suas origens”. Ao ser questionado se havia conversado com Bebianno, como o ministro alegara na véspera, o presidente foi categórico: “Mentira.”
Na sequência, Bolsonaro lançou o ainda ministro no caldeirão em que ardem as biografias carunchadas: “Sabe por que é mentira? Porque eu determinei que a Polícia Federal investigasse. Determinei ao Sergio Moro que, dentro da sua esfera de atribuição se fosse possível investigar, e está sendo investigado. Essa é a resposta que dou para todos aqueles que tentam praticar corrupção no Brasil.”
Na entrevista à Record, Bolsonaro tratara Bebianno como mentiroso e suspeito de corrupção
No vídeo repassado aos jornalistas na noite desta segunda-feira (18), um Bolsonaro bem ensaiado, muito diferente daquele personagem espontâneo das transmissões ao vivo via redes sociais, ladrilhou com pedrinhas de brilhante o caminho pecorrido por Bebianno desde a coordenação da campanha presidencial até a poltrona de ministro, passando pelo período em que exerceu o comando de um PSL cítrico. O que era suspeição virou crença na “seriedade e qualidade de seu trabalho”:
“Tenho que reconhecer a dedicação e comprometimento do senhor Gustavo Bebianno à frente da coordenação da campanha eleitoral em 2018. Seu trabalho foi importante para o nosso êxito. Agradeço ao senhor Gustavo pelo esforço e empenho quando exerceu a direção nacional do PSL. E continuo acreditando na sua seriedade e qualidade de seu trabalho. Reconheço também sua dedicação e esforço durante o período em que esteve no governo.”
Na prática, Bebianno como que puxou Bolsonaro para dentro do micro-ondas em que o presidente o havia colocado, numa ação executada em conjunto com o filho Carlos Bolsonaro. Quem ouve o Bolsonaro do vídeo desdizendo o presidente da entrevista de seis dias atrás se pergunta: Mas, afinal, o que levou Bolsonaro a demitir Bebianno? “Razões de foro íntimo”, declarou, enigmático, o porta-voz Otávio do Rêgo Barros.
No vídeo divulgado após o anúncio do porta-voz, Bolsonaro não desfez o enigma: “…Desde a semana passada, diferentes pontos de vista sobre questões relevantes trouxeram a necessidade de uma reavaliação”, afirmou o presidente. Que pontos de vista? Não esclareceu. Quais questões relevantes? Nem sinal. “Avalio que pode ter havido incompreensões e questões mal entendidas de parte a parte, não sendo adequados pré-julgamentos de qualquer natureza.”
O presidente da República implacável com “todos aqueles que tentam praticar corrupção no Brasil” perdeu-se em algum lugar no trajeto que separa o entrevistado da Record do leitor de teleprompter desta segunda-feira. Acabrunhado com o resultado de sua metamorfose, o ex-Bolsonaro se absteve de reproduzir nas redes sociais o vídeo de sua contrição. Comportou-se como um Narciso que acha feio o que deixou de ser o espelho dos habitantes de sua bolha no Twitter.
UOL Notícias.