A média de gastos da Presidência da República com cartão corporativo segue alta no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) mesmo diante da atual pandemia do coronavírus, que afetou a atividade econômica e estabeleceu o isolamento social.
Até novembro deste ano, fatura mais recente divulgada pelo Portal da Transparência, o atual governo teve uma média mensal de desembolso superior à de Michel Temer (MDB) e próxima à de Dilma Rousseff (PT).
Na gestão atual, foi gasto em média até agora R$ 672,1 mil por mês, o que representa uma alta de 51,7% em relação ao governo do emedebista. A despesa em relação à administração da petista foi 2,6% menor.
Por mês, Dilma teve uma média de gastos de R$ 690,2 mil, enquanto Temer despendeu R$ 442,9 mil. Os dados são do Portal da Transparência do governo federal, que reúne informações de 2013 a 2020. Os valores foram corrigidos pela inflação do período.
Dilma, Temer e Bolsonaro tiveram as mesmas regras para uso dos cartões. Não houve mudança nos critérios desde 2008, segundo o Palácio do Planalto.
Naquele ano, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotou restrições, como limitação de saques, diante de compras abusivas realizadas com esse recurso.
Antes de assumir o governo, a equipe de Bolsonaro chegou a avaliar o fim desses cartões, que desencadearam um escândalo político com auxiliares do ex-presidente Lula. Os cartões corporativos, porém, ainda continuam funcionando —e sem o detalhamento dos desembolsos.
Neste ano, até o mês de novembro, o presidente desembolsou mais no cartão corporativo do que no ano passado. Ele gastou R$ 7,86 milhões, contra R$ 7,6 milhões em 2019, seu primeiro ano de mandato.
No início deste ano, Bolsonaro justificou que teve um gasto alto em fevereiro, de R$ 1,9 milhão, porque, segundo ele, saiu do cartão corporativo um desembolso de R$ 739 mil para financiar o resgate de brasileiros que estavam em Wuhan, na China, onde foram registrados os primeiros casos do coronavírus.
Sem a despesa com a operação de resgate, o presidente gastou, ainda assim, uma média de R$ 640 mil por mês com o cartão —44,5% a mais que Temer e 7,3% abaixo de Dilma.
Procurado, o Palácio do Planalto afirmou que a maior parte dos gastos no cartão de Bolsonaro se refere a custos por causa de viagens pelo país e internacionais.
Também há a cobertura de desembolsos para eventos e manutenção da residência oficial, o Palácio da Alvorada, cujo dispêndio, segundo o governo, tem sido menor que o dos antecessores (Dilma e Temer).
Os cartões corporativos costumam ser usados, entre outras despesas, para financiamento de operações de segurança durante deslocamentos presidenciais.
Eles também são empregados para a compra de materiais, prestação de serviços e abastecimento de veículos oficiais, além de eventos na residência oficial.
Como a lista de despesas não é divulgada, não é possível saber o peso de cada atividade nas contas mensais.
As comparações são com base nas faturas do CPGF (Cartão de Pagamento do Governo Federal) da Secretaria de Administração da Presidência da República, que cuida das despesas de Bolsonaro, da família dele e de funcionários próximos, por exemplo, da Casa Civil.
Em maio, a Folha mostrou que Bolsonaro havia gastado, até então, mais que Dilma e Temer na comparação pela média por mês. De abril a julho, as despesas do presidente com o cartão recuaram. Na época, o Brasil adotou medidas mais duras para tentar conter a Covid-19.
Em julho, quando Bolsonaro testou positivo para Covid-19, a conta do cartão chegou ao nível mais baixo de seu governo.
As faturas, no entanto, mostram que houve um crescimento das despesas vinculadas ao gabinete do presidente e a funcionários do Palácio do Planalto a partir de agosto.
O aumento coincide com o início de estratégia do presidente de intensificar a agenda de viagens pelo país na tentativa de evitar nova queda em seus índices de popularidade. Como mostrou o Datafolha, a aprovação caiu no início da pandemia, mas se recuperou no segundo semestre.
Só em agosto, como mostra a agenda oficial, Bolsonaro fez dez viagens, o maior número de deslocamentos no ano.
Ele desembarcou em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Pará, Sergipe e Rio Grande do Norte. Nos meses seguintes, Bolsonaro fez uma média de sete viagens mensais.
O cartão corporativo foi criado em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Ele é distribuído a pessoas que ocupam postos-chave da gestão pública e cobrem despesas de urgência pela compra de produtos e serviços ou pela cobertura de gastos de viagens.
A Vice-Presidência tem cartões próprios, cujos custos são separados. Segundo o governo, as faturas da Secretaria de Administração da Presidência da República só incluem os gastos do vice-presidente quando ele exerce a função do presidente —por exemplo, se Bolsonaro está em viagem internacional.
Os valores totais das despesas do cartão da Presidência da República são divulgados, mas há sigilo sobre a maioria dos gastos, como alimentação e transporte. O argumento é de que são informações sensíveis da rotina presidencial e que a exposição pode colocar o chefe do Executivo em risco.
Em agosto do ano passado, Bolsonaro prometeu mostrar aos veículos de imprensa o extrato de seu cartão corporativo pessoal, mas até hoje não o fez. “Eu vou abrir o sigilo do meu cartão. Para vocês tomarem conhecimento quanto gastei de janeiro até o final de julho. Ok, imprensa? Vamos fazer uma matéria legal?”, afirmou na época.
Na transição de governo, o atual ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, chegou a defender o fim dos cartões corporativos, só que a proposta não teve o apoio de toda equipe do presidente e o benefício foi mantido.
No ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou trechos de um decreto de 1967 para dar transparência a gastos do Palácio do Planalto, inclusive com cartões corporativos. No entanto, o Palácio do Planalto afirma que a decisão não se aplica aos gastos com o cartão.
“A resistência do presidente da República em dar transparência aos gastos do cartão corporativo da Presidência é inadmissível, e a sociedade deve continuar cobrando”, avalia a ONG Transparência Internacional, reforçando que o sigilo deve existir apenas quando envolver verdadeiramente risco de segurança. “Para todo o resto, a transparência deve ser a regra”, completou.
Para a Artigo19, ONG internacional que defende o direito à liberdade de expressão e acesso à informação, a postura do Palácio do Planalto dificulta o acesso à informação, que é essencial para o exercício da cidadania.
“Esses gastos são vinculados ao orçamento estatal e devem, portanto, seguir a premissa de publicização e controle externo, especialmente no contexto de austeridade imposto à população pelos dirigentes estatais”, afirmou a entidade.
FolhaPress