RIO — Pelo menos 23 mil pessoas estão internadas em decorrência da Covid-19 no Brasil em leitos UTI ou enfermaria da rede pública, de acordo com levantamento do GLOBO feito em 25 estados e o Distrito Federal realizado entre segunda (14) e quarta-feira (16). E, às vésperas das festas de fim de ano, pelo menos sete unidades da federação — inclusive o Rio de Janeiro — apresentam taxa de ocupação acima de 80% de leitos de UTI da rede pública destinados à doença.
Do total de internados na rede pública por Covid-19, cerca de 11 mil pacientes estão em leitos de UTI. Márcio Bittencourt, especialista do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP, destaca que esse é um número impressionante.
— São muitas pessoas. E, se observarmos a quantidade total de leitos de UTI que o Brasil tem (22.541 na rede pública, segundo dados de outubro do Ministério da Saúde), mesmo se considerarmos os leitos extras que foram abertos no país, temos uma indicação de que estamos deixando de atender os cidadãos por outros motivos. As UTIs públicas, normalmente, costumam ter grande ocupação, com ou sem pandemia — afirma.
Bittencourt também ressalta que ter quase metade dos casos de Covid-19 em UTIs pode indicar outro problema: nem todas as pessoas que deveriam estão sendo internadas nas enfermarias.
— Em média, a quantidade de casos de Covid-19 que precisam ir para a UTI em relação aos que vão para a enfermaria é próxima de 25-30%. Se a proporção for muito diferente, ou as pessoas estão sendo mandadas de volta para casa quando não deveriam ou chegando em estado muito grave e sendo mandadas direto pra UTI — diz.
Tempestade perfeita
Para Guilherme Werneck, infectologista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o crescimento da transmissão da Covid-19 no país, a redução da oferta de leitos exclusivos para o tratamento do vírus e o possível aumento da internação de casos leves criaram uma “tempestade perfeita” na saúde pública brasileira.
— Muitos hospitais de campanha foram desativados e é difícil retomar esses leitos com rapidez. O leito não é só o leito: tem que ter médico, enfermeiro, insumos… Além disso, o conhecimento clínico da pandemia mostrou que era melhor admitir no hospital pacientes com sintomas mais leves, que antes não eram internados. Agora internamos mais pessoas, mas temos menos leitos. Uma tempestade perfeita — pontua o especialista.
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No Rio de Janeiro, a taxa de ocupação dos leitos de UTI da rede pública para a doença é de 81%. A Secretaria de Saúde do Estado não divulgou o número de internações solicitado pela reportagem.
Os outros estados com índices muito altos são Mato Grosso do Sul (94%), Paraná (88%), Santa Catarina (88%), Pernambuco (85%), Amazonas (84,7%) e Espírito Santo (83,5%). Neste último, as taxas de ocupação atingiram neste mês o nível mais alto de todo ano.
Além disso, no Rio Grande do Sul, apesar de a ocupação das UTIs na rede pública estar um pouco abaixo do limite considerado crítico (77,4%), nos hospitais privados essa taxa é alarmante: 99% dos leitos destinados à Covid-19 estão ocupados.
Os três estados da região Sul do país se encontram em situação preocupante. O médico Fábio Gaudenzi, membro do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), pontua que, após o inverno e principalmente a partir de setembro, a região começou a apresentar um novo pico de casos da Covid-19, que segue até hoje.
— Houve um aumento rápido do número de casos, mais do que o detectado no primeiro momento de pico, e com aceleração bastante intensa, fazendo com que alguns estados atingissem inclusive números superiores aos do primeiro pico. Tanto no número de casos quanto no de ocupação dos leitos — afirma Gaudenzi, que também é presidente da Sociedade Catarinense de Infectologia.
Estados em situação de alerta
Apesar de estarem com menos de 80% de ocupação das UTIs na rede pública, Bahia, Ceará e Distrito Federal se encontram no limite da zona considerada crítica. Já o Amapá não divulgou a taxa de ocupação nas unidades públicas, apenas uma soma dos leitos clínicos e de UTI na rede pública e privada: 73,6%.
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Margareth Portela, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, lê os indicadores de ocupação de leitos como um agravamento da situação da Covid-19 no Brasil, e que dessa vez ele está ocorrendo de forma mais generalizada.
— Estamos observando isso nos indicadores epidemiológicos e também nos de leitos. Tivemos momentos diferentes da pandemia, inicialmente Rio de Janeiro e São Paulo, Amazonas e alguns estados do Nordeste foram mais afetados. No momento inicial Sul e Centro-Oeste foram menos, e depois mais. Agora está mais espalhado e isso significa um agravamento da situação da Covid-19 no país. E as taxas de ocupação muito altas apontam que o sistema de saúde corre sim risco de não dar mais conta de casos graves — alerta a especialista, membro do Observatório Covid-19 da Fiocruz.
A pesquisadora defende o fortalecimento da atenção primária afim de reduzir o agravamento de pacientes com a doença. Ela pondera que a redução de leitos exclusivos para Covid-19 que ocorreu em alguns locais foi natural, mas afirma que agora isso precisa ser revisto.
— Os gestores precisam ter planos de contingência. Por outro lado, não é só ter leito. Precisam contar com equipes muito bem treinadas, e essa é uma das dificuldades. Por isso as pessoas também precisam se cuidar, estar conscientes de que teremos um Natal, um ano novo, e provavelmente todo um verão singulares. Não dá para circular, se encontrar. Em respeito aos mais vulneráveis e também como proteção a nós mesmos, temos que nos cuidar — recomenda Portela.
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Gaudenzi também afirma que os números mostram ser emergencial a reabertura de leitos.
— Nesse contexto de expansão do vírus e dos casos graves, precisamos ter como primeira meta a ampliação da rede de assistência. E ela deve se basear também em indicadores como o crescimento dos casos ativos e a taxa de transmissibilidade. É importante que os gestores avaliem de maneira muito local, para abrir leitos onde está de fato ocorrendo a expansão da doença, já que trabalhamos com recursos limitados — afirma o infectologista.
Hospitais privados
Na rede privada, o número de pacientes internados com Covid-19 também é alto. A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) realizou um levantamento sobre a taxa de ocupação de leitos de UTIs, quartos e enfermarias entre os dias 5 a 11 de dezembro.
Segundo a análise, entre os 30 respondentes de diversas regiões do Brasil, existiam 73.724 leitos operacionais-dia, sendo 9.530 destinados exclusivamente para pacientes com Covid-19. A taxa de ocupação dos leitos para a doença foi de 74,6%. Isso significa que mais de 7 mil pacientes estavam hospitalizados com a doença na rede privada neste período.
Em São Paulo, hospitais particulares têm registrado ocupação acima de 90% nos últimos dias em decorrência do aumento de internações por Covid-19.
É o caso do Sírio Libanês, que informou, em nota, que o número de pacientes com suspeita de Covid-19 continua crescendo. Apesar de apresentar uma taxa de ocupação dinâmica, diante da abertura e fechamento de leitos conforme a necessidade, o hospital afirma que a ocupação tem variado entre 90% e 95% nos últimos dias. Nesta quinta-feira, há 168 pacientes com coronavírus internados, divididos em UTI e enfermaria.
* Estagiários, sob a orientação de Eduardo Graça
O GLOBO