Padre João Medeiros Filho
“O êxtase poético é o experimento de uma realidade anterior a ti. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É de Deus”. São conhecidas estas palavras inspiradas de Adélia Prado. A escritora mineira é uma das vozes que toca o coração de muitos. As frases supracitadas exprimem a força latente da poesia. Nesta, quando os conceitos não conseguem manifestar o que se sente, a metáfora salva, tornando-se o seu regaço e alcançando, de fato, aquilo que é belo, revelando a essência do real, transpirando deslumbramento e harmonia. Além de toda conceituação lógica ou racional, o poema comunica a experiência daquilo que nos escapa e nossa linguagem cotidiana não dá conta de expressar. Santa Teresa d´Ávila afirmava que “a vivência poética é uma experiência mística, de límpido deslumbramento e encanto. E isso não é ser de outro mundo. É ver este mundo iluminado pela beleza”.
O instante poético é uma revelação que nos conduz ao sagrado. Por meio dele, a realidade mostra-se no cotidiano da existência, como uma surpresa que nos seduz e faz ver, além do trivial e do imediato. Tal experiência encontra também expressão na arte. Porém, a poesia paira em toda obra artística, despertando em nós uma sede do transcendente e do infinito.
A poesia reveste-se de uma vitalidade mística. Não porque trate desse tema ou fale sobre Deus, mas por gerar em nós um sentimento transcendental. Encanto e enlevo são duas de suas dimensões religiosas e espirituais. Não se trata de afirmar que ela seja ou deva ser confessional ou esteja a serviço das religiões. Cumpre-lhe servir sempre à beleza, pois é sua manifestação em nosso cotidiano. E quem a percebe, está em comunhão com o sagrado. Ela é uma das faces visíveis de Deus, a qual nos salva de nós mesmos e da dureza da vida. Sabiamente, Dostoievski dissera que “só a beleza nos salvará e a ternura redimirá o mundo”. E, na mesma esteira, Adélia Prado proclama, quase teologicamente: “fora do poema não há salvação”.
Alcançar a transcendência é algo que nos caracteriza, entre outras coisas, como criaturas humanas. Somos seres para além de nós mesmos. Isso torna-nos religiosos, abertos para Aquele que nos ultrapassa e, num sem fim de possibilidades de nomeação, comumente, é chamado Deus. A poesia é liame que nos leva a contemplar o Absoluto e o Eterno. É, portanto, intrínseca e radicalmente algo religioso, seja confessional ou não. Para os que têm fé, a vivência poética extrapola nossas expressões comuns. É o saber e o sabor de Deus. “A borboleta pousada ou é Deus ou é nada”, poetizou Paul Claudel.
A poesia tem uma relação íntima com a espiritualidade. Ambas são nomes do êxtase diante do Inefável, que nos arrebata. Elas se expressam por meio de símbolos, parábolas ou alegorias, isto é, buscando revelar aquilo que a linguagem corriqueira não alcança. O mundo tem fome de beleza e os poetas são diáconos desse pão sagrado, verdadeiros profetas que anunciam a salvação, mesmo entre os escombros do sofrimento, da dor e da morte. Estar atento à revelação do que encanta, é missão do poeta. Ser sempre mais, para além de si mesmo é igualmente sua vocação!
Deus é também Poesia, não obstante sua invisibilidade presencial. Impossível não o sentir. Quem poderá ver o Criador? Este é como o vento. Pode-se senti-lo na pele, ouve-se a sua voz nas folhas das árvores e seu assobio nas gretas das portas. Mas não se sabe de onde vem, nem para onde vai. Na flauta, o vento se converte em pura melodia. Não há como detê-lo. Entretanto, as religiões tentam enclausurar Deus em lugares que denominam templos e igrejas. E, se Ele está fechado e isolado numa casa, ficará ausente do resto do mundo? Para Mário Quintana, “a poesia purifica a alma e um belo poema sempre leva a Deus”! A lágrima se evapora, o sorriso se abre, a flor desabrocha, enquanto a poesia e a oração aproximam a criatura de seu Criador!