Fanatismo e consequências

 

João Medeiros Filho
Segundo os autores do “Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa”, o verbete fanatismo aparece registrado em 1769, apesar do adjetivo fanático já existir, desde a antiguidade. De acordo com os latinistas, dentre eles, o professor Ernesto Faria, fanatismo deriva do substantivo latino “fanum” (templo, santuário), acrescido de “actus” (ato, ação). No Primeiro Livro dos Reis, podemos encontrar a expressão: “Assim Salomão construiu um templo [fanum]” cf. 1Rs 11, 7). Desse étimo provém igualmente “pro+fanum”, ou seja, aquele ou aquilo que está antes do santuário, não consagrado e santificado. Por conseguinte, profanar adquiriu o significado de desrespeitar o sagrado. Na mitologia romana, os templos dedicados a Marte e Júpiter chamam-se: “Fanum Martis e Fanum Iovis”. Posteriormente, com o mesmo vocábulo foram denominados os conventos e mosteiros gauleses e germânicos. Portanto, infere-se que no princípio o termo estava ligado a fatos e realidades religiosas. Primitivamente, fanatismo era o exagero e o apego desmedido à religião ou às coisas sacras. Depois, tomou a acepção de partidarismo exclusivista, adesão automática e cega a um sistema ou doutrina, dedicação excessiva a alguém ou algo.
Os especialistas em ciências sociais, políticas e da religião afirmam que esse fenômeno acha-se em alta, no Brasil de hoje. Nas redes sociais, nos encontros de família etc, os brasileiros estão cada vez mais divididos, por conta de seu envolvimento com religião e política. As pessoas não aceitam debater ideias, querem o monólogo, tornando-se radicais, intolerantes, incapazes de escutar e respeitar o outro. Os psiquiatras dizem ser fácil reconhecer os fanáticos. Em geral, são detentores de entusiasmo militante, enorme impulsividade, forte brilho no olhar, obstinação nos argumentos e crenças. Carecem de objetividade, coerência, visão conjunta, capacidade de diálogo e tendem a ser impositivos. Acreditam possuir um saber próprio e superior, bem como uma “verdade” que deve ser infligida aos outros. Não desejam apenas convencer alguns, mas “salvar” a todos. Pensam que conhecem todas as necessidades humanas e revestem-se de um “altruísmo” peculiar. Os terroristas e radicais pretenderam mostrar ao mundo que só eles sabem o que é certo, justo e bom para a humanidade. Trata-se de moralistas obcecados. Consideram-se os únicos corretos. Daí, afloram a intransigência, o radicalismo e a impaciência.
Verifica-se que o Brasil vive momentos intensos de fanatismo político. Seus frutos e consequências bem visíveis são rotulação, ofensas e xingamentos. Deparamo-nos com estereótipos, resultantes da radicalização da cena social, disputa política e do incipiente ódio e luta de classes. Há chavões que se tornaram verdadeiros insultos, tentando calar os adversários nas discussões ou mensagens eletrônicas. Seu fruto maior é a agressividade. Já no século XIX, Gustave Le Bon, em sua “Psicologia das Multidões”, atentava para a postura bizarra de “… grupos formando uma espécie de mentalidade única e irracional. Em seu comportamento carregado de fanatismo acumulam estupidez, em vez de discernimento.” Formam convicções inabaláveis, que denotam ausência de reflexão. Alimentam paixões tangidas por fortes emoções, conclusões superficiais, atitudes ilógicas e inconsequentes. Há também uma onda de fundamentalismo religioso, destoando da abertura e do ecumenismo do Evangelho.
Os fanáticos rompem os laços de solidariedade, fraternidade e aniquilam o respeito ao outro. Vivem a solidão coletiva e têm a consciência crítica deformada. Tornam-se números na massa, capazes de perpetrar atrocidades. O que prevalece é o seu pensamento ou crença. A partir daí, vale tudo para destruir o outro. Agem de forma obstinada e previsível. Rechaçam o contraditório, pois acreditam ser donos da única verdade. Isto acarreta consequências graves, pois gera intolerância, estimula o ódio e se difunde como ideologia dominante. Ao ignorar opiniões contrárias, aderem cegamente a partidos, doutrinas e sistemas. Caminham na contramão do Evangelho, menosprezando Cristo, que valorizava o diálogo. São emblemáticos os encontros do Mestre – narrados pelos evangelistas – com a samaritana, o jovem rico e Zaqueu. Jesus não impôs, mas propôs, mostrando que sua doutrina é um convite e jamais uma obrigação. Assim pregava: “Se queres ser perfeito…” (Mt 19, 21), ou então, “Vim, não para condenar, mas para salvar” (Jo 12, 47). Um Brasil intolerante e exacerbado será uma nação anticristã, negando suas origens, cultura e tradições.

João Medeiros Filho