Padre João Medeiros Filho
Vive-se o tempo que antecede os pleitos municipais. Atravessa-se o período dos inevitáveis embates políticos. Esperava-se que fossem mais contidos, em virtude da pandemia. Mesmo se tal acontecesse, não significa que seriam menos onerosos, sem logros e patranhas. O Tribunal Superior Eleitoral divulgou alguns dados, dentre eles, o orçamento do Fundo Partidário, definido em 1,7 bilhão, dinheiro oriundo da população, empregado em detrimento de necessidades mais prementes. Ali, não estão incluídas ingentes despesas com a realização das votações em dois turnos.
Tempestivamente, os marqueteiros entraram em cena. Versão estilizada do publicitário, eles ganharam um nome aportuguesado, derivado do inglês “marketing”. Trata-se do profissional encarregado de maquiar bens de consumo, serviços a serem prestados e transfigurar a imagem de pretendentes a funções públicas. No caso destes últimos, buscam enfeitá-los com adornos diversos e uma roupagem ornamental. Após “o banho de simpatia e popularidade” (segundo jargões da área), o “produto” está pronto a ser apresentado e consumido pelo eleitorado incauto e alienado. Apresenta-se o candidato, como se fosse o melhor dos seres humanos. Procura-se moldar até o seu caráter, em muitos casos, idêntico às imagens televisivas ou às fotos fugazes e ilusórias.
Existem verdadeiros “experts”, capazes de grandes transformações. Conseguem colocar na vitrine política um personagem inicialmente rejeitado, como sendo o administrador ou parlamentar dos sonhos de eleitores exigentes. Empulhação que, muitas vezes, traz bons resultados. O comunicador habilitado em “marketing” tenta encontrar um meio de vender a imagem do político, cuidando de suas aparições, discursos e ideias. Amiúde, reina o axioma visceralmente antiético: “Os fins justificam os meios”. Não cabem aqui discussões científicas. Vale, antes de tudo, o bom senso.
Tanto no presente, quanto no passado, verificam-se bons exemplos de criação publicitária. É clássica a história do anúncio da venda de um sítio, cuja redação é atribuída a Olavo Bilac, após solicitação de um amigo. Interessados poderão pesquisar o assunto, inclusive na internet. O seu redator demonstra originalidade e preconiza técnicas modernas para “merchandising”, de causar inveja aos marqueteiros atuais. Teria dito o amigo de Bilac que este possuía muita imaginação, escrevia divinamente bem e, portanto, capaz de produzir um belo anúncio. Redigiu-o de forma poética. Não é sabido se o comunicado do vate carioca correspondia à realidade ou era mera ficção. Tempos depois, o poeta parnasiano teria perguntado ao amigo, se conseguira alienar a propriedade. Respondeu-lhe que havia desistido da venda, pois ao ler os classificados dos jornais, deu-se conta da maravilha que possuía. Este texto é considerado por muitos publicitários uma página de ouro de sua profissão. Não basta fazer. É preciso também saber como fazer!
Hoje, trava-se uma discussão sobre a ética publicitária. É justo e lícito, em campanhas eleitorais, realizar certos tipos de propaganda enganosa, quando está em jogo o bem-estar e o futuro do povo? O objetivo é eleger um candidato. Por isso, tenta-se influenciar ou convencer, sabendo que o postulante é inapto. Já lamentava o profeta Jeremias: “Engana-se o próximo. Não se fala a verdade. Treina-se a língua para a mentira.” (Jr 9, 4). Não se definiu ainda se tais manifestações poderão ser consideradas enganosas, pois, segundo estudiosos, a rigor, não se trata de oferta de serviços ou bens de consumo, previstos na Lei 8078/90 (Defesa do consumidor). Entretanto, é uma situação diante da qual se requer honestidade intelectual, não se admitindo falsidade ideológica.
Há mais de vinte séculos, o apóstolo Paulo advertia: “Portanto, deixando o embuste, cada um diga a verdade a seu próximo, pois somos membros uns dos outros.” (Ef 4, 25). William Ugeux, docente da Universidade de Louvain, outrora Ministro da Informação da Bélgica, colocava a propaganda política no mesmo patamar da publicidade de medicamentos. Os efeitos podem vir a ser altamente deletérios. Não é correto brincar com a vida de outrem. O eleitor, por vezes, tem a boa fé de uma criança e não se deve abusar de seus sentimentos. É preciso ser sincero e honesto. É o que prega o Apóstolo dos Gentios, aos tessalonicenses: “De fato nossa palavra não contém erros, mentiras, tampouco [vem] acompanhada de astúcia.” (1Ts 2, 3).