O Natal do Senhor

Padre João Medeiros Filho

Ao longo de sua história, o povo de Deus da Antiga Aliança caminhou no deserto, foi exilado e escravo de outras nações. Recebeu ensinamentos dos profetas, patriarcas e figuras decisivas em sua trajetória. Três grandes personagens marcaram essa caminhada e contribuíram para a sua libertação, por meio de pregações, com o testemunho de esperança e fé na força divina. No Antigo Testamento, Isaías anunciou tempos diferentes com sua palavra de ânimo e renovação. João Batista – o precursor do Senhor – é a conclusão desse ciclo. Construiu a partir do deserto uma nova ética, denunciando pseudovalores, erros e pecados, mostrando a necessidade de eliminar tudo aquilo que pode impedir a chegada de Deus até nós. “Preparai os caminhos para o Senhor” (Lc. 3, 4; Is 40, 3-5). Inaugurando uma nova etapa (a de Deus Conosco), surgiu Maria Santíssima – preconizada por grandes figuras bíblicas femininas do Velho Testamento – escolhida pelo Todo Poderoso para ser a Mãe do Salvador, revelando desse modo a ternura, o amor e a gratuidade divina. Ela simboliza a vida, a alegria, ao contrário de Eva que representa o sofrimento e a morte. Na Virgem de Nazaré começa o verdadeiro Natal e novos tempos. “Confia nele e o mais Ele te fará” (Sl 37, 5). Esta é a dinâmica natalina, a certeza de que Cristo veio para mudar o mundo e os homens.

Deus quis morar entre nós. Eis a ingente e importante novidade da história humana. O sonho dos homens era ter o seu deus bem próximo. Para isso, uns se declaravam deuses ou filhos de deuses e outros divinizavam seres. Tornar-se imortal foi sempre o maior desejo do ser humano, mas suas aspirações ficavam insatisfeitas e sem respostas. Andava triste e decepcionado. Buscava solução em realidades materiais, mas continuava confuso e perdido. Sentia saudade de suas origens e profunda nostalgia da vida que um dia lhe fora reservada. A esperança de concretizar aquilo que sonhava, parecia uma quimera e permanecia nas trevas da existência.

O Natal é essa utopia divina. É a concretude dos sonhos e ideais humanos, a resposta à sua procura e à sua sede. Em Jesus, o Pai materializou todos os anseios do homem: um ser infinito, pleno de bondade, rico de misericórdia, templo da justiça, fonte da verdade, berço do perdão e do amor. Cristo é a humanidade na sua beleza original e em sua grandeza de criatura, antes da triste realidade do pecado. É a convivência celestial nos caminhos da terra, partilha da Vida divina com a existência terrena. É o encontro do Eterno com o efêmero, a Presença permanente com a fugacidade da criação. É Deus decidindo habitar a terra. Isso é Natal.

Admiramo-nos, às vezes, quando sabemos que religiosos como, por exemplo, as Irmãs de Charles de Foucauld e Madre Teresa de Calcutá decidem morar nas favelas e tugúrios, em condições subumanas. O Natal vai além. É Deus aceitando a nossa miséria, fazendo opção pelo nosso existir para nos arrancar da pobreza e nos enriquecer de sua Vida. O Verbo encarnou-se e habitou entre nós. Ele valorizou também a matéria de que fazemos parte, pois se fez carne de nossa carne. E como se não bastasse, transformou essa carne em divina, tornando-a nosso cotidiano alimento.

E como se fora ainda pouco incomensurável amor pleno de poesia, Ele quis perpetuar o Natal. Deixou-nos a Eucaristia como sacramento de sua presença e de seu nascimento renovado. A data de 25 de dezembro é a lembrança de todos os natais de nossa vida. É o memorial das incontáveis vezes que Deus nasce em nós, em pequenos, silenciosos e repetidos gestos, como forma de suprema bondade e indizível ternura conosco. O Natal é o homem renascido na pessoa do Senhor Jesus. É o ser humano revestido do mistério da divindade. Não existe nada mais belo, por isso mesmo temos tanto a dizer e pouco conseguimos. Sim, pois só Cristo é a única Palavra Perfeita! “Verbum caro factum est”! “E o Verbo se fez carne” (Jo 1, 14).

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