Ex-policiais responderam por duplo homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e receptação. Sentença encerra mais de 6 anos do caso.
O 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro definiu, nesta quinta-feira (31), a sentença dos ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, assassinos confessos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Lessa foi condenado a 78 anos e 9 meses de prisão, enquanto Élcio teve a sentença de 59 anos e 8 meses.
A sentença final, lida pela juíza Lúcia Glioche, diz que a brutalidade do assassinato de Marielle e Anderson deixa um buraco na sociedade. “A sentença não responde a pergunta que ecoou: Quem mandou matar Marielle Franco?”, afirmou, reforçando que a justiça, por vezes, é cega, injusta e errada, mas chega para todos.
“Essa sentença é para vários Ronnies e Élcios” que vivem no Rio de Janeiro e no restante do país, afirmou. Após o anúncio das sentenças, familiares das vítimas caíram em lágrimas no tribunal.
Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram condenados pelos seguintes crimes:
- duplo homicídio triplamente qualificado;
- tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves;
- receptação do Cobalt prata, clonado, que foi usado no crime.
Os assassinos confessos estão presos desde março de 2019. Lessa está na Penitenciária de Tremembé, interior de São Paulo, enquanto Queiroz está no Centro de Inclusão e Reabilitação, em Brasília.
Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados em 14 de março de 2018, quando o carro em que estavam foi emboscado no centro do Rio de Janeiro. Ronnie Lessa teria disparado vários tiros contra o veículo, atingindo Marielle e Anderson fatalmente, enquanto Élcio Queiroz dirigia o carro de onde partiram os disparos.
Delação premiada
Por terem assinado um acordo de delação premiada, Lessa e Élcio não devem cumprir a pena completa imposta pela Justiça. O acordo foi fundamental para elucidar o caso.
Entre outras condições, o acordo prevê que Élcio Queiroz cumpra, no máximo, 12 anos de prisão em regime fechado. Já Ronnie Lessa deve cumprir até 18 anos em regime fechado, seguidos por mais 2 anos em regime semiaberto.
Esses prazos começam a contar a partir da data em que foram presos, em 12 de março de 2019 – um ano após o crime. Ou seja, 5 anos e 7 meses serão descontados das penas máximas.
O julgamento
O 4º Tribunal do Júri da Justiça do Rio de Janeiro iniciou o julgamento do caso na quarta-feira (30). No primeiro dia de julgamento, foram ouvidas todas as testemunhas de defesa e acusação. As testemunhas de acusação iniciaram os depoimentos. A primeira a falar foi a assessora de imprensa Fernanda Chaves, que estava no carro com Marielle e Anderson no dia do crime. Ela foi a única sobrevivente do ataque.
“O carro estava bem devagar. Foi quando teve uma rajada. Num reflexo, eu me encolhi no banco do Anderson. Os tiros já tinham atravessado a janela. O Anderson esboçou dor, falou um ‘ai’. Marielle estava imóvel, e eu senti o corpo dela sobre mim. Eu acreditava que o carro tinha passado pelo meio de um tiroteio”, relatou Fernanda.
A segunda testemunha ouvida foi Marinete Silva, a mãe de Marielle, indicada pela acusação. O promotor de Justiça pediu para que Marinete contasse um pouco da Marielle como filha, e a relação com a mãe, fora da figura parlamentar.
“A falta que minha filha faz é imensurável. Falar como minha filha faz falta não tem como definir. A maior dor é conviver com a falta da filha que podia estar aqui […] É uma dor, uma falta, é um coração que teve um pedaço arrancado covardemente naquele 14 de março de 2018”, contou Marinete. Além delas, Mônica Benício, vereadora (PSOL) e viúva de Marielle, e Agatha Arnaus Reis, viúva de Anderson Gomes, prestaram depoimentos.
Na sequência, prestaram depoimentos os seguintes agentes:
- Carlos Alberto Paúra Júnior (Policial Civil)
- Luismar Cortelettili (Polícia Civil)
- Carolina Rodrigues Linhares (Perita criminal)
- Guilhermo Catramby (Polícia Federal)
- Marcelo Pasqualetti (Polícia Federal)
Interrogatório dos condenados
Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram interrogados por videoconferência, por já estarem presos. Eles não tiveram contato um com o outro foram ouvidos separadamente, sem que um soubesse o que o outro comparsa relatou.
Lessa foi o primeiro a depor. Com frieza, descreveu como recebeu a ordem para assassinar Marielle Franco, chamando o crime de “trabalho”. Os mandantes teriam oferecido cerca de R$ 25 milhões para executar o plano. A partir disso, Lessa planejou o crime.
O condenado contou que reuniu o “kit”, que seria a arma, o carro e os aparelhos celulares usados para comunicação entre eles. Depois, em detalhes, narrou como destruiu provas do crime. Em determinado momento, Ronnie Lessa pediu perdão para os familiares de Marielle e Anderson.
Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial e irmã da vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL-RJ), afirmou que não cabe a ela ou aos familiares perdoar o atirador. Para o Ministério Público do Rio de Janeiro, o arrependimento demostrado “é uma farsa”.
Élcio Queiroz, por sua vez, afirmou que não participou do planejamento e que sua função era exclusivamente dirigir o veículo utilizado no crime. Disse, ainda, que não sabia que se tratava de um assassinato e soube somente no momento da ação. +Promotor diz que Lessa e Queiroz são “sociopatas” e que arrependimento é uma farsa
Pano de fundo racial
A estratégia adotada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro gerou desconforto e contrariou os argumentos dos advogados assistentes de acusação ao tentar desassociar a imagem de Marielle das questões raciais e de seu posicionamento político.
O júri popular do caso foi composto por sete homens brancos. Antes da definição final, 21 pessoas foram selecionadas pelo Tribunal de Justiça, sendo 12 mulheres. No sorteio, cinco homens e duas mulheres foram inicialmente escolhidos, mas a defesa de Ronnie Lessa usou uma prerrogativa jurídica para dispensar as duas mulheres, levando a um novo sorteio. A composição final garantiu um júri exclusivamente masculino e branco. A defesa acreditava que as juradas mulheres tenderiam a condenar os réus.
Para convencer o júri, o promotor do 2º Tribunal, Fabio Vieira dos Santos, elogiou a formação do grupo e afirmou que a sentença seria imparcial. “Esse processo mostrou a beleza que era Marielle; não tem essa de esquerda e de direita”, disse.
Em contrapartida, a defensora pública Daniele Silva argumentou que é fundamental “racializar” o debate. “Precisamos mostrar como nossos corpos são indesejados”, afirmou. “Gostaria que pessoas negras neste país não precisassem falar o tempo todo de racismo. Mas, se não falarmos, quem vai falar? Chega. Mataram uma vereadora com quatro tiros na cabeça em via pública”, completou.
A assistente de acusação lembrou que o último evento como vereadora, do qual Marielle participou antes da morte, aconteceu na Casa das Pretas, na Lapa, no centro do Rio. “Esse evento se chamava ‘Mulheres Negras Movendo Estruturas’. Olha o que estou fazendo aqui hoje”.
Marielle Franco foi uma liderança importante para o movimento negro no Brasil, trazendo para a política temas como o racismo estrutural, a violência policial e o empoderamento de mulheres negras. Vereadora pelo PSOL no Rio de Janeiro, ela usou seu mandato para lutar por justiça social e dar visibilidade a comunidades marginalizadas, especialmente nas favelas.
SBT News