Padre João Medeiros Filho
O que nos aguarda, após a epidemia do coronavírus? É indubitavelmente o questionamento de muitos. Entre os negacionistas e defensores da gravidade da doença, pairam tensões e incertezas sobre o amanhã. Como as nações sairão da crise? Segundo alguns especialistas, poderá acontecer uma recessão análoga à depressão americana de 1929. Há quem compare o impacto do vírus a uma terceira guerra mundial. Assim opina igualmente o nonagenário Monsenhor Antenor Salvino de Araújo, pároco emérito da Catedral de Caicó. Guerra sem soldados, navios e aviões, tanques, tiros, bombas e armas bélicas, mas com um inimigo invisível e difícil de ser abatido. Muitos rezam para que o pesadelo termine logo.
O Covid-19 trouxe mudança de hábitos e lições importantes para a humanidade. Redescobre-se outro sentido para o abraço e a presença física. A família reaprende o valor da convivência. “Vede como é bom e agradável os irmãos viverem juntos” (Sl 133/132, 1). Os bens e riquezas passam a ser reavaliados. A partir de então, a agropecuária, a indústria, o comércio etc. deverão pensar menos no circuito mercado-consumo-lucro e mais na dignidade da pessoa que trabalha. A educação começou a tomar novos rumos. O que se imaginava ocorrer, daqui a cinco anos, foi antecipado com as recentes plataformas de ensino. A alimentação reconquistou o gosto caseiro. O vírus desafiou a medicina. Até mesmo a religião deve ser reconfigurada. Os sacramentos ocuparão um lugar especial na vivência espiritual. A Sagrada Escritura foi revalorizada, lembrando o Povo de Deus, que, durante séculos, se alimentava da Palavra Divina. A prece readquire um rosto pessoal e imanente. E o cristianismo prepara-se para enfrentar uma mudança de época. Sim, uma fase de transição inesperada que levou outrora a humanidade a rever metas e traçar caminhos distintos.
Um vendaval sacudiu tradições, ciência, religião e o íntimo de cada um. Que transformações a pandemia provocará? Dentre tantas, poder-se-á verificar o apelo de retorno à essência da vida, assumido por São Francisco de Assis, redefinindo valores e princípios, no contexto da sociedade pós-feudal. O Sars-Cov-2 colocou o mundo de joelhos e convidou confissões religiosas e não crentes à solidariedade. A partir daí, a mensagem cristã deverá voltar a ser capaz de atender os anseios do homem, atingido por um monstro microscópico. E, aqui no Brasil, o Covid-19 proporcionou a certos governantes um álibi para suas administrações medíocres ou malogradas!
As feridas da sociedade expostas pela pandemia sinalizam enorme desafio: reencontrar a esperança e confiança em Cristo. Dentre as chagas enfrentadas pela civilização contemporânea estão o descrédito no próprio ser humano e o afastamento de Deus. A busca pelo sentido da vida – por vezes alimentada pela sede de dinheiro, conforto, poder e status – remete todos à questão central da própria existência. Apesar de ser imagem de Deus, o homem é impactado pela sua fragilidade. “O ser humano é semelhante a um sopro, seus dias são como a sombra que passa” (Sl 144/143, 4), proclama o salmista. A humanidade – ancorada em avanços tecnológicos e científicos admiráveis, mas alheia a valores humanistas e éticos – revelou-se nessa crise despreparada para a tarefa primordial de despertar todos para a esperança e a alegria. E quando se diz que o mundo sofrerá mudanças imprevisíveis depois da pandemia, pensa-se pouco no papel da espiritualidade e da mística (não necessariamente da religião). Não basta simplesmente descobrir outra lógica para a economia, desconsiderando os equívocos atuais.
Não há como negar: tentou-se também distorcer a Palavra Sagrada. Mas, a pandemia desmascarou conceitos equivocados sobre a fé. São Paulo já advertia que “a Palavra Divina não é manipulável” (2Tm 2, 9). As espetacularizações e teatralizações evidenciaram também despreparo para tranquilizar e consolar o povo. Percebeu-se uma inépcia para reerguer a verdadeira esperança. Consequentemente, proliferaram invencionices ou crendices, bem distantes da riqueza do mistério da fé. De tudo, permanece o ensinamento: Deus está sempre presente e nunca abandona seus filhos. O Senhor ajuda, quando a capacidade humana se esgota ou está sem condições de amparar. “Deus, apesar de oculto e silente, está bem perto, dentro do sacrário do coração daquele que crê”, afirmava Santa Dulce dos Pobres!