“Há uma atmosfera de esforço espiritual em Paris. Nenhuma outra cidade tem isso.”
–James Joyce.
Alguns anos atrás, fui convidado por amigos para ir a um jantar em Paris. Ao chegar no restaurante, reservaram-me uma cadeira entre um ex-ministro do Supremo Tribunal e um professor da Sorbonne. Embora eu fosse um crítico público do ex-ministro, gosto dele e, claro, respeito a cadeira que ocupou. No meio da conversa, o professor francês resolve perguntar, aproveitando a presença de um ex-integrante da Corte e de um advogado acostumado a atuar no STF, o que nós achávamos da importância da sustentação oral. Uma pergunta cada vez mais atual.
O ex-ministro resolveu me alfinetar:
“Professor, alguns advogados, como o Kakay, gostam da tribuna e pensam que tem importância. Na realidade, os votos já vão prontos para a sessão e a sustentação não vale nada”.
Certo constrangimento por parte do docente não impediu que eu respondesse:
“Mestre, depende muito do julgador. Se for um ministro preparado, independente, sério e que sabe escutar –o julgador tem que ter a grandeza de escutar–, a sustentação vale muito. Já vi ministro voltar atrás no voto ou retirar o processo de pauta depois da sustentação. Porém, se for um ministro que só lê voto de assessor, aí a sustentação oral não vale nada mesmo”.
O mal-estar só diminuiu com o vinho nacional. Acompanhando ao vivo as Olimpíadas, aqui em Paris, constato como a opção por usar, em grande escala, o mundo virtual no Judiciário, depois da pandemia, mudou a vida dos juízes e dos advogados. Com a necessidade, à época, de fazer audiências por vídeo, boa parte dos magistrados conseguiu um sonho antigo: livrar-se da presença dos advogados.
É claro que, muitas vezes, nós, advogados, também gostaríamos de não ter que despachar presencialmente com certos juízes, porém, precisamos fazer isso. Especialmente na minha área, direito criminal, a presença física faz a diferença. Poder observar a reação de cada julgador, seja em audiência, ou da tribuna. Alguns detalhes podem fazer com que mudemos o rumo da prosa, sendo definitivo para o deslinde da causa. Mas existem mudanças que são muito interessantes. Normalmente, eu teria que acompanhar as Olimpíadas na tranquilidade da minha sala de televisão, no Brasil. Seria impensável imaginar ficar tanto tempo fora do escritório e dos tribunais.
Hoje, com a nova política de reuniões, audiências e julgamentos, posso me dar ao luxo de estar ao vivo nos estádios e nos campos montados embaixo da Torre Eiffel, na Place de la Concorde ou na varanda do meu apartamento, vendo as corridas e os ciclistas passarem pelo Boulevard Saint-Germain enquanto trabalho por vídeo do conforto da minha casa de Paris. Uma inversão saudável e que faz um bem danado.
Ainda dá tempo de uma reunião com um cliente em Londres ou de receber um advogado português ou belga. É claro que deve ser uma exceção, mas é bom poder ter esta opção.
Na verdade, muito mais do que acompanhar os eventos ao vivo –vôlei feminino, de areia, futebol, atletismo e a abertura no rio Sena– o que tem impressionado é o espírito olímpico que marca esta cidade mágica.
No início, havia, e ainda há, porém, mais diluída, uma grande preocupação no ar. O medo de um atentado com tantas autoridades juntas em uma cerimônia monumental foi a marca da abertura. Muitas ruas fechadas, um número assustador de policiais fortemente armados, barulhos de sirenes madrugada afora, enfim, uma opção de mostrar força que parece incompatível com o espírito olímpico. Mas que, afinal, somos obrigados a reconhecer que funcionou e tem funcionado.
Com a debandada em massa dos parisienses, que normalmente já deixam a cidade em julho e agosto, e menos turistas do que o anunciado, a cidade de Paris brilhou como nunca. Restaurantes vazios, cafés nos esperando para um copo e um livro, livrarias chamando os clientes, o Sena desfilando com seu charme e museus sem filas.
Penso que seria importante que a lógica de mudar a sede a cada 4 anos fosse interrompida. Soube que as próximas competições serão em Los Angeles. Imagine o charme inóspito de uma edição das Olimpíadas nos EUA, em Los Angeles? Por que não Paris outra vez? Já estou me preparando para assistir a tudo pela TV, aqui mesmo da Place Saint-Germain. Afinal, como disse Victor Hugo: “Respirar Paris, isso conserva a alma”.