A cruz: catédra de Cristo

Padre João Medeiros Filho
A Sexta-Feira Santa é o memorial da solidariedade de Deus com os seres humanos. Venera-se a cruz, erguida como sinal do amor de Cristo, o qual foi condenado injustamente e torturado até a morte. Colocou sua vida nas mãos do Pai, confiando na justiça e misericórdia divina. No Domingo de Ramos, Jesus, entrando em Jerusalém, apresentou a sua mensagem religiosa, capaz de transformar a sociedade e tornar os homens em verdadeiros irmãos. Na Última Ceia, partindo o pão, mostrou-nos em que consiste o milagre da partilha e a força extraordinária do serviço e da disponibilidade. Logo depois, sofre a rejeição e a condenação por causa de seu projeto em favor da vida, dos esquecidos e marginalizados. Enfrenta a morte violenta por proclamar que o Reino de Deus, a liberdade e o alimento com fartura só virão dos corações de pessoas altruístas, capazes de viver e mostrar que os bens têm sentido, quando partilhados.
A liturgia da Sexta-Feira Santa não é mera repetição da narrativa bíblica, mas também uma metáfora de nossas aflições e preocupações. Estamos vivendo a paixão no Brasil de hoje, vítima do egoísmo, orgulho e da arrogância de vários, das contendas partidárias, dos esquemas de poder e interesses escusos de tantos. Nossa pátria teima em não aceitar os valores pregados por Cristo, sobretudo sua mensagem de paz, verdade e amor. Celebra-se a Paixão de Jesus, do seu calvário compartilhado por uma multidão de sofridos e aflitos em busca de libertação.
A cruz é desafio e apelo para que os cristãos assumam a pregação de Jesus, promovendo a luta em favor da justiça e da verdade, anunciando a esperança e construindo a fraternidade. Em 2001, São João Paulo II, na cerimônia de entrega do barrete aos novos cardeais, afirmou: “A cruz é a cátedra de Deus no mundo”. Cátedra é o lugar, onde o mestre ensina. A cruz de Cristo é o púlpito vivo e permanente, onde Deus continua a proclamar seu amor e perdão, sua ternura e compaixão. Ali, o Salvador oferece à humanidade uma de suas lições mais importantes: a necessidade de amarmos uns aos outros, como Ele mesmo nos amou (cf. Jo 19, 26), até o dom extremo de si mesmo. O Crucificado faz sua doação total, sem cobranças, expressando a gratuidade divina.
Há algo que talvez só consigamos aprender contemplando a cruz: o sentido do sofrimento e da profundidade da dor. Por instinto da natureza humana, a civilização hodierna evolui no sentido de amenizar as situações e realidades dolorosas, consideradas um mal a evitar. É justo e digno lutar para mitigá-las, até as fronteiras do possível. Cristo tudo fizera para apagar as dores corporais e espirituais daqueles que o procuravam. Porém, mostrou com a sua crucifixão que só é possível vencer as angústias e contradições do mundo, quando se aceita doar generosamente a vida em favor dos outros. É um clamor contra o egoísmo, em favor da fraternidade.
O sofrimento foi (e continua sendo) uma experiência humana universal. Ele é físico ou da alma, causado pela violência, injustiça, corrupção e desonestidade, miséria e doenças, adquirindo os contornos de abandono, solidão, perda do sentido da vida etc. Perante a dor tão intensa, ou nos deixamos esmagar pelo seu peso, ou a assumimos de forma generosa, oferecendo-a como semente fecunda de nossa redenção. É possível aprender esse sentido pascal da dor humana. E isto abre cada vez mais o nosso coração para a beleza do Amor infinito.
O mistério da cruz não é apenas um acontecimento histórico. Mantém a perenidade salvífica através dos séculos. O Senhor continua a oferecer-se pela humanidade, sendo a oferta do sacrifício concretizada nas tribulações dos cristãos, que, segundo o apóstolo Paulo, “completam em sua carne o que faltou à paixão de Cristo” (Col 1, 24). É o que comemoramos na Sexta-Feira Santa. A cruz de Cristo é aparententemente a estranha pedagogia de Deus, mostrando-nos que o seu amor pode chegar a gestos que transcendem à lógica humana. A cruz pode parecer insensatez aos olhos de muitos, mas é a manifestação do poder de Deus (cf 1Cor 1, 18ss), mais forte que a morte!