Segundo Santo Ambrósio: “O medo é a ausência de Deus”. Lembrava a seus diocesanos a certeza do salmista: “Mesmo que tenha de percorrer um vale de sombras, não temerei os males, porque estás comigo” (Sl 23/22,4). Fernando Sabino aconselhava: “Fazer da interrupção um caminho novo; da queda, um passo de dança e, do medo, uma escada”. O ser humano, diferentemente de outros animais, por sua natureza, é medroso. Philippe Ariès e Jean Delumeau estudaram esse fenômeno e o tratamento dado pelos religiosos. Ariès declara: “O homem é o único ser no mundo a viver constantemente apavorado, quando está só. E a solidão maior é a falta de Deus”. O pavor tem um lado pernicioso, enquanto paralisa as pessoas. Não raro, é usado como arma de controle; triste, quando a dominação parte das religiões.
No mundo antigo, o medo estava ligado às divindades. Os gregos adoravam Deimos e Fobos, deuses do terror e pânico, respectivamente. Segundo Hesíodo, ambos são irmãos gêmeos, filhos de Ares e Afrodite. Eram cultuados pelos helênicos, que lhes suplicavam e deviam favores. A Europa da Idade Média temeu as pestes que dizimaram populações inteiras, sendo as mais importantes a bubônica e a de Marselha. Tais epidemias e guerras criaram situações alarmantes para as populações. Não foi diferente conosco, durante a pandemia, acompanhada de uma polêmica e beligerância político-ideológica. Ao longo da história, outras realidades aterrorizaram as pessoas: o mar, o diabo, as tempestades, o credo. No medievo, ganhou destaque o receio da forca ou fogueira inquisitorial. Havia igualmente a ameaça do Juízo Final. Para a fúria da Inquisição, havia nomes e faces: hereges, bruxos, feiticeiros etc.
O temor faz parte da natureza humana, sua limitação e fragilidade. Todavia, uma das preocupações de Jesus foi ensinar aos discípulos como vencê-lo. Aliás, isso perpassa pelas páginas da Bíblia. A fé proclama: “Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro sempre encontrado nos perigos” (Sl 46/45,1). O apóstolo Paulo afirma: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8,31). Há episódios marcantes na história do cristianismo sobre essa realidade. Quando Jesus nasceu, o anjo proclamou: “Não temais. Eu vos anuncio uma grande alegria” (Lc 2,10). O Ressuscitado neutraliza, em cada aparição, a inquietação e a angústia dos discípulos. Em diversos momentos de sua existência terrena, procurou encorajar seus seguidores.
Após multiplicar os pães e rezar na montanha, Jesus aparece caminhando sobre as águas do mar da Galileia. Pensavam tratar-se de um fantasma. Pedro vai ao seu encontro e começa a naufragar. Cristo toma-o pela mão e tranquiliza os discípulos: “Tende confiança, sou eu, não temais” (Mt 14,27). Há pavor diante da morte, doença, violência, desemprego etc. Isso resulta da pequenez ou tibieza de nossa fé. O caminhar de Jesus sobre as águas é sinal de que Ele nos ajuda a superar as adversidades. O “sou eu” significa Deus afirmando que nos liberta do sofrimento, da dor e opressão. Pedro tem fé ao chamar Cristo de Senhor, mas ela é ainda fraca. Como uma criança que começa a ensaiar seus primeiros passos, o Mestre lhe diz: “Vem!”. E estende a sua mão para Pedro andar sobre o mar. A fé nos acalma e aproxima de Deus. Sem Ele, brota a violência, que leva ao medo. Esse é causado por aqueles que estão vazios de Deus. Os temerosos creem pouco.
Vale citar o autor da Carta aos Hebreus: “O Senhor é meu auxílio, jamais temerei, que mal me poderá fazer o ser humano?” (Hb 13,6). O inesquecível Dom Nivaldo Monte repetia nas homilias e palestras: “O cristianismo não é a religião do pavor, mas da esperança e do amor.” Deus nos ama. Alguns religiosos disseminam a deletéria teologia o evangelho do pânico, que ignoram a inefável benignidade e misericórdia divina. O cristianismo se contrapõe à doutrina ameaçadora. Em Jesus Cristo e por Ele, o ser humano é liberto da escravidão do pecado e domínio do Mal. Eis o que está escrito no profeta Isaías: “Não temas, porque Eu estou contigo; não te assombres, porque sou teu Deus; Eu te fortaleço, te ajudo e te sustento com a destra da minha justiça” (Is 41,10).
Padre João Medeiros Filho