Padre João Medeiros Filho
Nos idos de 1960, quando estudante na Bélgica, ouvia colegas europeus, notadamente alemães, discutir sobre o Muro de Berlim. O objetivo deste era separar os habitantes daquela cidade germânica, por razões políticas e ideológicas. Ficava pensando como isso acontecera num país considerado civilizado e desenvolvido. Não poderia imaginar que, décadas depois, veria algo semelhante, em meu país. Atualmente, há no Brasil um muro, de difícil demolição. Foi construído, não com pedra, ferro e cimento, mas com intransigência, radicalismo, rancor e ódio, tornando irmãos e compatriotas em inimigos. Infelizmente, passados tantos anos, a civilização contemporânea não conseguiu ainda fazer com que avanços tecnológicos e científicos fossem acompanhados de posturas humanistas e éticas, capazes de demolir paredões fraticidas para estabelecer vínculos entre as pessoas.
Cada vez mais, verificam-se cenários de conflitos e diferentes modos de exclusão social. Os discursos e propostas tornam-se repetitivos, obsoletos, estéreis e demagógicos. A sociedade paga um alto preço por sua deterioração social. Ocorre uma inércia ético-moral, neutralizando ações de efetiva solução dos graves problemas e fragilizando iniciativas para o enfrentamento de crises. Há falta de união, racionalidade, interesse e solidariedade, até mesmo para aniquilar um mosquito. Mais do que descuido administrativo, configura-se na carência de sensibilidade humana e espiritual. Isso gera incapacidade para diálogos indispensáveis à ruína de vários muros. Muitos deles são erguidos em nome do bem-estar e proteção à democracia. Outros, com tons de “apartheids”, inviabilizam o respeito à liberdade ou dignidade humana. Recorde-se a Palavra inspirada: “Irmãos, exorto-vos a ter cuidado com os que causam divisões e colocam obstáculos em seu caminho” (Rm 16, 17).
Apesar do progresso e desenvolvimento tecnológico, científico e socioeconômico, o Brasil ainda padece de muitos males, cuja solução necessita de diagnósticos precisos, lúcidos e ações eficazes. Poder-se-ia citar um conjunto de barreiras sociais que se levantam, inviabilizando pontes. Dentre elas, incluem-se a apatia e a anestesia social, que fazem crescer a indiferença, criando obstáculos entre os indivíduos. A esperança para a queda dos muros reside na convicção e vivência da fé. Esta poderá apontar saídas justas e humanizadas para as diferentes situações desoladoras, aparentemente insuperáveis.
O saber técnico, o desempenho político e outras habilidades são importantes. Todavia, têm-se mostrado ineficientes diante de singularidades da existência humana e complexidades do funcionamento das instituições. A fé e a espiritualidade trazem alentos e sentidos existenciais, alargam o horizonte para cada um tomar consciência do seu relevante papel de agente do bem e da paz. Exorta o apostolo Paulo: “Não haja divisão entre vós. Ao contrário, sede bem unidos” (1Cor 1, 10). A fé proporciona ao ser humano ir além do território do seu próprio bem-estar. É com ela que se aprende a praticar e demonstrar o amor fraterno, superando o anseio de destruir o semelhante. Viver a espiritualidade e a autêntica crença religiosa consiste em cultivar uma abertura para todos, efetivando a derrubada de barreiras e a edificação de pontes. Para tanto é indispensável ultrapassar a lógica materialista, a dinâmica interesseira e as conveniências ideológicas e partidárias. Cabe lembrar que Cristo é o Pontífice. Este termo etimologicamente significa aquele que faz pontes. Segundo a teologia, a Igreja é sacramento de nosso Salvador, portanto deve ser construtora de união. Nisto compõe-se também a sua missão. Será que está acontecendo assim no Brasil atual? Como faz falta uma ponte. Que o digam os viajantes, de dias passados, com destino de Mossoró a Natal e vice-versa. Sua inexistência torna a viagem mais demorada e talvez perigosa. Assim é o mundo sem Deus. E para se achegar a Ele, precisa-se recorrer ao Pontífice: Jesus.
A ausência de ligações leva ao monólogo, fomentando a insensatez de eliminar os outros. Há muros e fossos construídos, colocando em lados opostos e incomunicáveis indivíduos e grupos. Essa divisão é semanticamente diabólica. Diabo (em grego diábolos) quer dizer separação. Cristo rezou: “Pai que todos sejam um como Eu e Tu” (Jo 17, 21). Somente a vivência da fé e a espiritualidade poderão derrubar muros ou cercas e construir vínculos. Urge edificar pontes de confiança, diálogo, entendimento, reconciliação e paz. Esta “nos é dada [por Deus], não como o mundo no-la dá” (Jo 14, 27).