À época, os bolsonaristas vibraram e a primeira-dama chegou a usar uma camiseta em claro deboche. Costumo dizer, parafraseando o poeta baiano, que: “A vida dá, nega e tira”.
Em recente entrevista ao ICL, o assunto foi abordado e notei certa perplexidade dos jornalistas pelo tom arrogante adotado pela magistrada. Cumpre anotar a maneira elegante e altiva do interrogado, que demonstrou sua contrariedade pelo tom desnecessário da juíza, mas continuou se portando com classe e dignidade. Fiz questão de ressaltar, ao ser indagado, que, infelizmente, na realidade essa arrogância é uma marca de boa parte do Judiciário.
Os Tribunais Superiores, geralmente, mantêm uma relação mais respeitosa. Talvez, por isso, ficaram marcadas no julgamento do Mensalão a agressividade e a deselegância do então presidente do Supremo com o advogado Luiz Fernando Pacheco, ao assumir a tribuna requerendo a apreciação de um pedido de liberdade do seu cliente, o deputado José Genoino. O advogado, altivo e educado, apenas pedia o óbvio: que o processo fosse julgado. Foi retirado da tribuna e quase foi preso.
Não desconheço que existem inúmeros colegas atrevidos e que também abusam na lida diária do processo. Sem contar os integrantes do Ministério Público que chegam a instrumentalizar a poderosa instituição para o exercício de um poder que a Constituição não lhes outorga. É só nos lembrarmos do grupelho até pouco tempo coordenado por Deltan Dallagnol, que desonrou o cargo. Mas a reflexão sobre a postura dos juízes, seja de que grau for, é a que merece uma atenção toda especial. Em última análise, são eles que detêm o poder, quase sagrado, de decidir sobre a liberdade ou sobre a prisão de um cidadão. E sobre bens, patrimônio, guarda de filhos, direitos políticos, elegibilidade, enfim, tudo o que mais interessa. Como nos ensinou o mestre Rui Barbosa: “O direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a Justiça, que o do mais alto dos poderes”.
Faço essa reflexão por constatar que o papel do Judiciário mudou no imaginário da população. Há tempos, vem acontecendo um fenômeno de abertura do Judiciário em relação ao cidadão. A criação da TV Justiça levou os julgamentos para dentro das casas dos brasileiros. Embora eu seja um crítico ácido do televisionamento dos processos penais, essa é uma realidade consolidada. A TV Justiça pode ter, e tem, importante papel ao transmitir processos como a discussão sobre drogas, aborto, marco temporal e tantos outros de interesse comum. Nunca, porém, sobre o processo penal, no qual ocorre um evidente pré-julgamento e uma condenação prévia sem direito a recurso. A superexposição é uma punição acessória sem previsão legal. E irrecorrível. Advoguei para o publicitário Duda Mendonça, no Mensalão, e conseguimos sua absolvição. Quando fomos comemorar, ele, experiente, observou: “No imaginário popular, eu sou um mensaleiro. Nunca vou perder esse estigma”.
Com a assunção de um governo fascista, em 2018, houve uma clara e triste cooptação de boa parte do Poder Legislativo. Em um momento dramático da história brasileira, convivemos com uma tentativa de desestabilizar a democracia e com a destruição sistemática e planejada de todos os avanços sociais e democráticos. O objetivo, hoje inquestionável, era a derrocada do Estado Democrático de Direito e a instalação de um governo militar armado. Um regime de força. Uma ditadura.
–Discurso do presidente Lula na abertura do Ano Judiciário de 2024.