Sem missas, mas com Deus

Padre João Medeiros Filho
Os sinos das igrejas soam. De nossa casa, pode-se ouvir as campanas de alguns templos. Durante dias, a sequência das badaladas não chamará os fiéis para a missa, mas irá recordar que Deus está presente. Mesmo se muitos questionam sua existência em meio à atual crise, é a Ele que tais sons nos remetem. Tornam-se a única sinfonia, rompendo o véu do silêncio que envolve Emaús de Dom Nivaldo. Nos últimos dias, o céu azul, límpido e claro é como um sorriso reconfortante da natureza neste período difícil. Mas, “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará”, entoa o salmista (Sl 23/22, 1). Cabe lembrar Ernest Hemingway: “Por Quem os sinos dobram”? Hoje, eles plangem também pelos muitos ataúdes da cidade de Bérgamo. Seu toque é igualmente o lamento pelos vinte sacerdotes italianos (muitos com mais de cinquenta anos dedicados ao altar), vítimas do Covid-19, que hoje cantam no céu os louvores eternos.
No Brasil, diante de informações, por vezes inexatas e desencontradas, ainda é difícil prever quantas famílias terão boas notícias advindas das unidades hospitalares e terapia intensiva, espalhadas pelo país. Alguns temem talvez algo triste. São milhares de correntes de preces em cidades sem missas. Mas, nem por isso com menos fé no Deus da vida. É exatamente aí que as circunstâncias fazem a religiosidade superar a religião, e a espiritualidade as práticas espirituais.
Na Itália, alguns padres celebram missas, transmitidas pela internet, com fotos de fiéis vivos e falecidos. E há os que pedem pela alma dos irmãos presbíteros, vitimados pelo vírus. Mas, a fé nos sustenta e fortalece cotidianamente. A mesma vivida por Padre João Maria Cavalcanti de Brito, o “Anjo de Natal”. Este “Santo da caridade” viu seus paroquianos morrer em seus braços. Entretanto, acalentava todos com palavras, orações e gestos concretos, traduzindo sua fé cristã. Diante de um moribundo, lembrava-se de Cristo agonizante na cruz. O presbitério de sua querida Natal de hoje e do Rio Grande do Norte poderia, em cadeia de emissoras de rádio (diocesanas, paroquiais e outras), elevar as súplicas do povo orante ao Deus do amor e da vida. Assim sugeriram um cronista deste jornal e devotos do “Santo de Natal”.
É triste constatar que países ditos cristãos foram insensíveis com a Itália, ícone da nova civilização ocidental e do catolicismo. Alguns consideram tal atitude um gesto de oposição à Igreja e represália ao Papa. As vítimas não são culpadas de nossos pecados. Países próximos e longínquos fecharam as portas, mostrando apatia. Vários são detentores de maiores recursos humanos e materiais. Os cristãos não podem ficar indiferentes para que essa pungente história não se repita em outros lugares. Apesar do eventual e execrável uso da situação atual para fins econômicos, ideológicos, políticos e promoções pessoais, despidos de solidariedade humana, deveremos ser altruístas e caridosos.
Os católicos sentem falta da missa diária ou dominical. Segundo pesquisadores, o vírus, esse inimigo silencioso, pode ocupar os bancos das igrejas sem que se perceba. Fomos pároco do interior e testemunhamos centenas ou milhares de fiéis que não têm a alegria de participar da eucaristia cotidiana ou em dias de preceito. Não se pode esquecer que durante séculos o Povo de Deus viveu sem sacramentos, nutridos apenas pela fé e Palavra Divina. Muitos irmãos de outras igrejas não dispõem de ritos sacramentais, mas vivem a dimensão religiosa de sua fé, alimentados pela oração e meditação do Livro Sagrado. Os que se ressentem da ausência de missas presenciais, poderão viver o princípio da caridade e da prece intercessora. A frase “a fé sem obras é morta” (Tg 2, 14), eternizada pelo apóstolo Tiago, aplica-se ao momento. Com fé digamos como o salmista: “Senhor, não temerei os males, pois sei que estás comigo” (Sl 23/22, 4). No entanto, o vírus faz um alerta a todos – de modo especial aos prepotentes e arrogantes – um inimigo microscópico e invisível poderá nos derrubar e destruir! “Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris” (Gn 3, 19). Deus convida-nos a refletir!