Anvisa avalia se abre consulta sobre venda de vapes; veja o que diz quem é contra e quem é a favor

Paciente relata 'graxa no pulmão' por uso de vape, diz que 'aparelho mata' e que legalização não deve ser debatida

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai discutir nesta sexta-feira (1°) a abertura de consulta pública para revisar a regra que proíbe o cigarro eletrônico no Brasil.

Como pano de fundo, há uma pressão da indústria do tabaco: o argumento principal é que permitir a venda facilitaria o controle. Por outro lado, entidades médicas e especialistas refutam essa justificativa e alegam que a autorização seria um risco à saúde e um retrocesso no combate ao fumo.

🚬 Os cigarros eletrônicos existem desde 2005 e foram apresentados pelo mercado como uma redução de danos para quem fuma. Ou seja, uma forma menos prejudicial à saúde de continuar fumando. No entanto, não há dados científicos que comprovem que, de fato, sejam mais seguros.

👉 Nesta reportagem, vamos explicar por que isso está sendo rediscutido e explicar quais os argumentos de quem é a favor e contra a liberação dos vapes no Brasil.

Paciente relata ‘graxa no pulmão’ por uso de vape, diz que ‘aparelho mata’ e que legalização não deve ser debatida

Saiba mais

Por que a norma está sendo revista?

 

Pela regra atual, em vigor desde 2009, é proibida a comercialização, a importação e a propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar. Além disso, os acessórios e refis usados nos vapes também são proibidos.

A decisão de revisão da regra é da própria Anvisa, que iniciou esse processo em 2019. A portaria que proíbe os dispositivos não obrigava uma revisão, mas a agência argumenta que houve a necessidade de rever os impactos da regra e considerar os novos dados sobre os cigarros eletrônicos.

A primeira etapa foi a “Análise de Impacto Regulatório”, que avaliou o que ocorreu no país com a proibição, quais os desafios com a circulação do dispositivo e o que vem acontecendo também no exterior – nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, eles são permitidos.

👉 O documento reuniu pareceres de universidades, como a John Hopkins, nos EUA; órgãos governamentais, como o Instituto Nacional do Câncer (Inca); associações médicas e a indústria do tabaco. No fim, concluiu por duas alternativas:

  • A manutenção da norma atual, com a proibição.
  • Fazer ajustes na regra atual, mas incluindo alguns itens como a necessidade de revisão a cada três anos e a proibição também da fabricação.

 

A permissão era uma alternativa levantada pela agência antes da avaliação de impactos, mas, diante do resultado das discussões, que mostrou que ainda não há base científica para dizer que vapes são melhores que cigarros e o risco de aumentar o tabagismo, a Anvisa descartou essa hipótese.

Com isso, a agência parte para uma nova etapa: nesta sexta-feira (1°) vai discutir a abertura de uma consulta pública para a revisão. A fase faz parte do processo regulatório, mas acontece sob protesto de entidades médicas.

 O Conselho Federal de Medicina (CFM), o Inca, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Associação Médica Brasileira (AMB), entre outras entidades médicas, se posicionam contra a liberação dos cigarros eletrônicos no Brasil.

Webstory Cigarro comum x cigarro eletrônico — Foto: Elcio Horiuchi/g1

Pressão no Senado Federal

 

Enquanto a Anvisa discute a regulamentação, tramita no Senado Federal um projeto que libera os cigarros eletrônicos. A medida foi proposta pela senadora Soraya Tronique (Podemos) em outubro, depois de uma audiência pública que reuniu representantes de entidades médicas e empresas produtoras de cigarro eletrônico.

 O argumento da senadora é o de que não há regulamentação no Brasil, apesar de, na verdade, haver uma, que é pela proibição. A parlamentar também vê a liberação como oportunidade de coleta de impostos das empresas que venderiam o vape no país.

O texto da senadora prevê que, antes da autorização, os produtos sejam registrados na Anvisa. Ou seja, ainda que aprovada no Senado, a liberação dependeria da chancela da agência.

O projeto ainda não passou pelas comissões, e não há prazo para que isso aconteça ou previsão para que seja colocado em votação.

Projeto no Senado pretende liberar a comercialização do cigarro eletrônico no Brasil — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

O que diz quem é a favor da liberação: A indústria argumenta que os cigarros eletrônicos funcionam como “redução de danos” para quem já fuma cigarro comum. Ou seja, de que são uma forma menos prejudicial de acesso à nicotina para pessoas viciadas. Para isso, apresentam um relatório feito pelo King’s College, do Reino Unido, que diz que vaporizadores são 95% menos prejudiciais que o cigarro comum.

O documento chega a essa conclusão a partir de uma revisão de artigos publicados e de pesquisas feitas anteriormente por outros institutos com pessoas que usaram cigarro eletrônico, mas durante um curto prazo.

O que diz quem é contra a liberação: Os especialistas médicos refutam o argumento porque dizem que a análise não oferece base para concluir o risco 95% menor.

Essa classificação de risco é uma falácia que não tem qualquer evidência científica. Pudemos ver isso com a crise nos Estados Unidos com pessoas morrendo por doenças associadas aos vapes. Precisamos lembrar que é um dado que vem de uma indústria que, quando apresentou o cigarro tradicional, jurou que a nicotina não viciava. Como podemos confiar?
— André Szklo, epidemiologista especialista em controle do tabaco do Instituto Nacional do Câncer.

O médico e coordenador da Comissão de Combate ao Tabagismo da AMB, Ricardo Meireles, explica que não existe redução de danos para o tratamento do tabagismo, que mata cerca de 400 pessoas por dia no Brasil. A única forma é cessar o uso de qualquer fumo.

“Não existe redução de danos no tabagismo. Estamos vivendo agora o que vivemos um século atrás, quando o cigarro começou a circular. No começo, as pessoas não sabiam que o cigarro fazia mal e foram muitas mortes até que soubéssemos a verdade. Hoje, o cigarro eletrônico está no mercado há poucos anos e já tem uma doença para chamar de sua, que é a evali. (Leia mais abaixo.) Não podemos deixar a história se repetir”, explica.

Fonte: G1