Padre João Medeiros Filho
Ela exige dedicação e contínuo aprendizado. Talvez poucos se disponham a esse mister. Cristo, além de tantos carismas e virtudes, foi mestre também nesse assunto. Até orientadores de alma estão paulatinamente renunciando a esta nobre missão. Atualmente, muitos pagam a profissionais especializados para escutá-los. O mundo apressado de hoje não reserva espaço para tal posturabasilar na vida social. O teólogo e pedagogo Rubem Alvesescreveu: “Não é bastante ter ouvidos para compreender o que se diz. É preciso haver silêncio dentro da alma.” Já não se tem mais paciência ou tempo de acompanhar o que alguém tem a dizer. É frequente o impulso de interromper a fala do outro, dando palpites ou nela incluindo a sua opinião. Tem-se a ideia de que as palavras do interlocutornão são dignas de consideração e necessitam sercomplementadas. Por vezes, muitos julgam suas opiniõesmelhores e mais importantes que as do próximo. Os quatro evangelhos narram a incansável atenção, paciência e solicitude de Cristo em escutar e dialogar. A incapacidade para tanto denota manifestação sutil de arrogância e vaidade. No fundo, acredita-se que se é mais justo, honesto, sábio ou capaz.
Proliferam escolas de oratória, retórica ou de falar em público. Faltam cursos de “escutatória”. Uma professora de língua e literatura espanhola costumava lembrar a seus alunos a diferença entre ver e olhar, ouvir e escutar:“Hagan el favor de mirar y escuchar, porque para oír y ver bastan los ojos y las orejas.” Nas empresas criam-se ouvidorias, que fogem de seus títulos e objetivos. Muitas reproduzem a filosofia e rotina de seus administradores. Os descontentamentos e reclamações adiantam pouco, sendo não raro registrados por mera formalidade. São contraditórias muitas audiências públicas. Alguns discursam e a maioria emudece. Em geral, terminam com a confirmação dos propósitos e ideias de poucos em detrimento da multidão. O salmista já observava esse desrespeito ao ser humano: “Têm ouvidos, mas não escutam” (Sl 115/114, 6). Aos atuais e futuros mentores espirituais dever-se-á insistir sobre a disponibilidade para a orientação interior.
A vida e o mundo estão cheios de sons e vozes. Percebê-los é um dom característico dos artistas. É clássico o exemplo dos pianistas. Entram no palco, encaminham-se para o instrumento, sentam-se econcentram-se. Parecem extasiados diante da melodia que irão executar. Após algum tempo de silêncio, a música ecoa. É necessário silenciar para se enriquecer com os delicados sons do universo. Há alguns que são raros, mas presentes na memória de cada um. Por exemplo, o rangidodos carros de bois, o apito das fábricas e locomotivas, o despertar dos galos, o repicar dos sinos, o crepitar do fogo nos fogões a lenha, o chilrear e trinado dos passarinhosetc. É preciso, por vezes, quietude para que eles surjam e nos conduzam ao passado. A sua beleza e musicalidade ficaram guardadas no âmago de cada um. Nas cidades háainda os gritos dos vendedores, o vozerio das feiras, a algazarra das crianças ao sair das escolas, o ruído dos rádios dos trabalhadores, o latido dos cães na entrada das casas… E há a sonoridade da natureza: o assobio do vento, o barulho da chuva e o murmúrio das cachoeiras.
Há uma pergunta pertinente e atual. Quem nos ensinará novamente a mística do silêncio e a fundamentalarte da escuta? O exemplo da vida monacal tem suaimportância para o reaprendizado. Os monges trabalham, alimentam-se, oram silenciosamente e falam com moderação. Seus momentos contemplativos e preces dão a impressão de que percebem ou recebem algo desobrenatural. Santa Teresinha do Menino Jesus dizia: “Osilêncio nos capacita a encontrar Deus. É a voz divina que abafa as vozes humanas.” Santo Ambrósio, quando bispo de Milão, falava que “é importante desobstruir ostímpanos da alma.” Não consta que tal postura sejaabordada nas escolas, igrejas ou mesmo em família. Há disciplina para tudo, mas inexiste quem oriente a ser tácitopara saber escutar o outro. Convém ter sempre em mente o que diz a Sagrada Escritura: “Tudo tem seu tempo… Tempo de calar e tempo de falar (Ecl 3,1; 6).