A esquecida civilidade

Padre João Medeiros Filho
Parece cada vez mais distante o tempo em que se cultivavam a civilidade e o respeito aos outros. Não era insólito ouvir os pais orientarem seus filhos, valendo-se de conselhos e advertências. De modo análogo, nas escolas, instituições religiosas e culturais costumava-se enfatizar processos formativos para o aprendizado das normas da boa convivência e conduta. Vale lembrar que urbanidade não consiste simplesmente em etiquetas. Implica, antes de tudo, em respeito e consciência de que a liberdade de cada um não é absoluta. Com o decorrer dos anos, esses requisitos foram perdendo a importância e o significado, comprometendo os princípios que garantem o relacionamento saudável entre os cidadãos. Não há dúvidas de que a qualidade das relações sociais de um povo é determinante e fundamental para o Bem ou para o Mal. Por tal razão, é importante reconhecer que o fortalecimento da civilidade é necessário e urgente.
Aos olhos de muitos, inclusive certos educadores, tal investimento pode parecer supérfluo ou na contramão do mundo pós-moderno. Afinal, vive-se o tempo em que as subjetividades, as “liberdades” e os direitos individuais reivindicam autonomia ou soberania. Isso está construindo uma mentalidade e cultura, nas quais tudo aquilo que não atende aos interesses individuais ou partidários é indevido e, consequentemente, inaceitável. Com isso, cada um direciona seu comportamento observando apenas as suas ambições, as de seu grupo ou “líderes”, desconsiderando o pensar e a vida dos outros. Esse abandono da postura de civilidade contribui para o primado do subjetivismo. Outro dia, uma senhora desabafou na sacristia de uma igreja: “Padre, caminha-se para uma sociedade sem lei nem limites. O que dizer do projeto da família do século XXI, tramitando no Congresso e desse último filme [vídeo] acintoso a Deus e ao cristianismo?” Consequentemente, cada pessoa passa a considerar-se como norma e referência absolutas. A liberdade e o respeito a outrem são ignorados e rechaçados nas decisões. “Ai daquele por quem vem o desrespeito [escândalo]” (Mt 18, 7), afirmou Cristo.
A possibilidade de “cada cabeça” ser livre para proferir “sentenças” alimenta uma perversa anomia. É o que se verifica constantemente nas redes sociais. Com a ausência de regras e normas, cada um passa a fazer o que bem entende, sem referência aos parâmetros. Esse é um caminho para que a arbitrariedade se instale, alimentando violência ou desdém, subestimando a sacralidade da vida. Não cultivar a reverência aos gestos – que garantam a urbanidade e a cidadania – é desvanecer o respeito, a percepção das diferenças e o equilíbrio da existência humana. Esse mal atinge não apenas algumas pessoas ou segmentos da comunidade. Alcança todos, desencadeando descompassos no âmbito da cultura e do tecido social. Isso parece bem enraizado no Parlamento Nacional, que não se esforça nem preza em ser exemplo de lhaneza e urbanidade em seus debates e votações.
Diante da hegemonia da lógica do mercado e das ideologias, torna-se difícil perceber e considerar a influência da civilidade. Esta abrange desde as pequenas atitudes aos gestos mais significativos, capazes de configurar uma sociedade mais solidária e justa. Sem valorizar a urbanidade, todos continuarão a conviver com situações problemáticas, a exemplo do frequente desrespeito ao bem comum e as tendências à depredação pessoal ou patrimonial. Não se pode fechar os olhos diante do estilo de vida de certas autoridades – com excesso de mordomias, privilégios e gastos abusivos custeados pelos contribuintes – alimentando um imaginário distante da igualdade humana.
O grau de urbanidade incide também sobre o estabelecimento de prioridades coletivas, como por exemplo, o uso honesto de recursos para promover o bem-estar de todos. Isso significa comprometer-se com a vivência da ética, do equilíbrio das relações entre os cidadãos. Apenas assim, será possível promover a formação de líderes, realmente capacitados para oferecer soluções às demandas de uma sociedade mais fraterna e solidária. Boas escolhas e responsabilidade são fundamentais para reverter o que tanto se amarga, nos dias atuais. A pátria brasileira precisa de civilidade e respeito. O apóstolo Paulo, pregando aos cristãos de Corinto, foi contundente: “Tudo me é permitido, mas nem tudo edifica” (1Cor 10, 23).