“Vanitas vanitatum, omnia vanitas”

Padre João Medeiros Filho
“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecl 1, 2), afirmou o hagiógrafo. Uma análise linguística acurada revelará que a tradução portuguesa não desvela com precisão a semântica que o autor do Eclesiastes (Coélet) quis imprimir no início de sua obra. Segundo os exegetas, o verdadeiro sentido seria: efemeridade das efemeridades, tudo é efêmero… Vento dos ventos, tudo é vento. A palavra, traduzida do hebraico para o nosso idioma é ḥebel, que literalmente significa vento (daí o nome bíblico de Abel, aquele que tem a vida fugaz).
Tudo passa! Essa é a mensagem de sabedoria do Livro Sagrado, que a tradição cristã aprofundou, partindo do ensinamento de Jesus. Vale a pena juntar tesouros que a traça corrói, ou o fogo devora? A história comprova tal realidade. Quantos dignitários e potentados são destroçados, ao longo dos anos. Líderes importantes caem no escárnio, mais rápido do que se imagina. Esta é uma profecia contida no canto do Magnificat (Lc 2, 52). O Mestre ensina: “Que adianta ao ser humano ganhar o mundo inteiro, se vier a arruinar sua vida” (Mc 8, 36)? Sem o sentido de Deus, toda expectativa é vã e vazia, não passa de vaidade, vento… Entendem-se assim as palavras que o cardeal camerlengo pronunciava, na cerimônia de coroação do papa: “Sancte Pater, sic transit gloria mundi” (Santo Padre, assim passa a glória do mundo).
Vivem-se tempos em que o lucro, o prestígio e o poder são imperativos que movem as aspirações de muitos. Para a maioria, as promessas do ter, do poder e do prazer são puras quimeras. Incutiu-se a ideia de que, animados pela motivação e com as próprias forças, poder-se-ia alcançar riquezas e status. Tem-se, não raro, como resultado uma geração de pessoas desesperançadas e abatidas. Diante de uma situação análoga, Cristo expressou: “Tenho pena dessa gente, cansada e deprimida, como ovelha sem pastor” (Mt 9, 36).
Infelizmente, a sede de poder faz com que se cale toda e qualquer ação visando ao bem comum e à dignidade humana. A sofrida realidade de alguns povos, outrora prósperos, se agrava atualmente. Vê-se que pelas ideologias inocula-se o veneno do poder. A sua busca desenfreada (ou a luta para se manter empoderado) foi o primeiro pecado na história da humanidade. As metáforas veterotestamentárias atestam essa afirmativa. Adão e Eva queriam ser iguais a Deus. Caim matou Abel para permanecer soberano, herdeiro único e detentor do poder e dos bens familiares. É lamentável perceber que nesta guerra de interesses, quem sofre as consequências é o povo, cada vez mais privado das condições mínimas de vida e dignidade. A sedução do poder cega diante da necessidade do próximo, impedindo ações iluminadas por amor e solidariedade. Vê-se que nos dias atuais o povo é esquecido, a tal ponto de se tornar apenas “peça no tabuleiro” do jogo de conveniências. Atitudes como estas se opõem à vontade de Deus e colocam-nos diante da absolutização de comportamentos humanos, com todas as consequências possíveis.
É triste verificar que a sociedade brasileira, com atenuantes aqui ou acolá, vive uma guerra pelo poder. Isto tem causado incontáveis vítimas. A belicosidade dos sequiosos de hegemonia não admite fronteiras e desrespeita a vida humana. Não importa se as pessoas passam fome, são amontoadas nos corredores dos hospitais públicos, se a escola é de baixo nível e o povo está infeliz. Para tantos, o que conta é o partido, é “estar de cima”, “mandando”! Ninguém lembra o ensinamento do Filho de Deus: “Vim não para ser servido, mas para servir” (Mt 20, 28). O saudoso e lúcido Monsenhor Expedito Sobral de Medeiros já afirmava: “É preciso defender os pobres, e não defender-se dos pobres”! Na certeza de que as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens de hoje são também as de Cristo, somos impelidos a tomar consciência de nossa responsabilidade na construção de uma sociedade mais justa: dever moral que implica em obrigação de todos para com todos! “O poder é fugaz e vale, quando se converte em serviço”, afirmara Santa Dulce dos Pobres!