O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu, por 5 votos a 2, determinar a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por 8 anos por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. A Corte Eleitoral acatou a ação apresentada pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista) em agosto de 2022 contra reunião do então chefe do Executivo com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado. Na ocasião, Bolsonaro criticou o sistema eleitoral brasileiro, as urnas eletrônicas e a atuação do STF e do TSE.
Eis o resultado da votação: 5 ministros votaram a favor da inelegibilidade de Bolsonaro e contra a de Braga Netto: Benedito Gonçalves (relator), Floriano Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes; 2 ministros votaram contra a procedência da ação: Raul Araújo e Nunes Marques. Com a decisão, Bolsonaro ficará inelegível por 8 anos contados a partir do pleito de 2022. O ex-presidente está impedido de concorrer nas próximas 3 disputas eleitorais: 2024, 2026 e 2028.
O advogado de Bolsonaro, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, já adiantou que recorrerá ao STF (Supremo Tribunal Federal). No entanto, isso só será possível depois que todos os recursos forem apresentados na Corte Eleitoral. No caso, a defesa deve apresentar os chamados “embargos de declaração”, que possibilita que o réu conteste alguma contradição ou omissão no julgamento. O recurso, no entanto, não tem poder para alterar a decisão e não suspende a eventual inelegibilidade.
VOTOS
Benedito Gonçalves (Relator):
O relator da ação votou pela inelegibilidade do ex-presidente por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Em seu voto, Gonçalves determinou que Bolsonaro fique impedido de concorrer pelos próximos 8 anos, contando a partir do pleito de 2022. Em quase 4 horas de julgamento, na 3ª feira (27.jun), o relator destacou que o teor das falas do ex-presidente durante a reunião com embaixadores foi um “flerte perigoso com o golpismo” (leia mais abaixo).
Raul Araújo:
Divergiu do relator e rejeitou a ação apresentada na Corte pelo PDT. O ministro afastou o crime de abuso de poder político ao afirmar que há “ausência de gravidade” nas falas de Bolsonaro durante a reunião. Araújo também diz que a transmissão do encontro por meios de comunicação estatais é justificada pelo fato de se tratar de um evento oficial do presidente da República. “Sendo a gravidade aferível pela vulneração aos bens jurídicos legitimidade e normalidade das eleições, mas sendo estes sujeitos a um juízo de valor de grau, fato é que a intensidade do comportamento concretamente imputado – a reunião de 18.7.2022 e o conteúdo do discurso – não foi tamanha a ponto de justificar a medida extrema da inelegibilidade”, diz trecho do voto.
Floriano Marques:
Votou favorável à inelegibilidade de Bolsonaro e acompanhou o voto do relator. Floriano entendeu que houve desvio de finalidade e tentativa de se autopromover por parte do ex-presidente durante o evento. “O teor da reunião não se diferencia de uma abertura de uma propaganda eleitoral. […] Tal trecho se aproxima muito mais de um discurso de comício em praça do interior”, disse.
Ele também refutou cada argumento apresentado pela defesa do ex-presidente e divergiu do voto de Raul Araújo, que afirmou que, mesmo que houvesse uma intenção com o evento, não provocou nenhum efeito. Segundo Floriano, a reunião tem conotações graves e poderia ter dimensões alarmantes caso a Justiça Eleitoral não tivesse proibido a veiculação da transmissão da fala do ex-presidente.
André Ramos Tavares:
Acolheu o voto de Benedito Gonçalves por entender que a reunião não teve caráter diplomático e destacou a gravidade do discurso proferido pelo ex-presidente na ocasião. Segundo ele, o teor das falas de Bolsonaro resultaram em “tensão e instabilidade” e “robusteceu o envolvimento de uma sociedade em uma narrativa sem fundamento”. Tavares lembrou ainda que o ex-presidente questionou o sistema eleitoral brasileiro por pelo menos 23 vezes no ano anterior à eleição. “É grave quando o caos informacional se instala na sociedade e é ainda mais grave se esse estado é planejado e advém de um discurso do presidente da República. […] A confiança dos eleitores nas instituições democráticas deixa de existir e, com isso, a própria liberdade de voto fica viciada”, declarou.
Cármen Lúcia:
A vice-presidente da Corte Eleitoral acompanhou o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, e rebateu algumas alegações da defesa, como a competência da justiça eleitoral para julgar o caso. A ministra também afirmou que a reunião de Bolsonaro naquele dia se tratou de um “monólogo” para o então presidente se autopromover. Ela afirma que o ex-chefe do Executivo fez ataques deliberados e sem fundamentos às urnas eletrônicas e a ministros da Corte Eleitoral. Além disso, indicou que houve tentativa de desqualificação do seu maior oponente à época, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), há 3 meses do pleito. Cármen Lúcia declarou ainda que as falas de Bolsonaro não só configuraram um ataque ao Poder Judiciário, mas também ao Executivo, em razão do discurso ter sido proferido em um espaço público e com transmissão feita por uma TV estatal. Ela afirma que Bolsonaro atacou a democracia e que seu discurso gerou consequências ao processo eleitoral.
Nunes Marques:
O ministro votou pela improcedência da ação que pede a inelegibilidade e acompanhou a divergência apresentada por Raul Araújo. Nunes Marques reconheceu a gravidade das condutas do ex-presidente, mas declarou que elas não prejudicaram a isonomia nas eleições de 2022. O ministro mencionou o alto número de eleitores no pleito e o aumento da confiança da população do sistema eleitoral brasileiro. Durante seu voto, o magistrado elogiou o sistema eleitoral brasileiro e disse que “o voto eletrônico é a experiência mais bem sucedida do Poder Judiciário“.
“O nosso sistema é o mais avançado do mundo. A posição não impede que sejam feitas melhorias, que garantam a posição de vanguarda da Justiça Eleitoral“, declarou. Ele também afirmou que o teor das falas de Bolsonaro representa uma “grave afronta à legitimadade do pleito eleitoral”. No entanto, Nunes Marques refutou a ligação do evento com a minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. O magistrado afirmou que Bolsonaro deixou de fazer ataques às urnas desde a sua derrota e, por isso, não tinha qualquer intenção em rever o resultado do pleito.
Alexandre de Moraes:
O presidente do TSE rejeitou todas as questões preliminares apresentadas pela defesa e acolheu o voto do relator, que determinou a procedência parcial da ação protocolada pelo PDT. Segundo Moraes, a inelegibilidade neste caso já estava prevista desde 2021, quando o TSE alertou que não admitiria “extremismo criminoso e noticias fraudulentas” no pleito que viria a acontecer no ano seguinte. Moraes afirmou que a reunião em si já evidencia que houve abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. O presidente da Corte disse ainda que Bolsonaro organizou com a equipe do Planalto a reunião com fins eleitoreiros, mencionando o desconhecimento do então ministro das Relações Exteriores, Carlos França, e o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, da organização do evento. Para o ministro, o modus operandi de Bolsonaro foi usar a tramissão da TV Brasil e depois disseminar trechos de suas falas nas redes sociais a fim de levantar dúvidas sobre a confiança do sistema eleitoral.
“Não há aqui nada de liberdade de expressão. O [ex-]presidente mentirosamente disse que há fraudes nas eleições, inclusive na que ele ganhou, e ao ser oficiado pelo ministro [Roberto] Barroso para apresentar provas sobre a suposta fraude de 2018, obviamente não apresentou, porque elas não existem. [Bolsonaro] atacou a lisura do sistema eleitoral que o elege há 40 anos. Isso não é liberdade de expressão”, declarou.
Minuta de Torres:
A inclusão da minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres na ação também não foi unanimidade entre os ministros. O documento foi incluído em janeiro, depois de pedido do PDT, pelo ministro relator. Na avaliação de Gonçalves, a minuta tem relação com os fatos investigados no processo ele afirma que o documento é uma consequência das falas de Bolsonaro naquela reunião. O ministro declarou que “a reunião de 18 de julho de 2022 não é uma fotografia na parede, mas um fato a ser analisado com contexto”, o que justificaria a inclusão de provas posteriores ao caso.
Gonçalves mencionou o julgamento da chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), em 2017, e afirmou que, na época, as provas apresentadas no processo indicavam uma nova ação. Para ele, esse não é o caso da ação de Bolsonaro.
“Em razão da grande relevância e da performance discursiva para o processo eleitoral e vida política, não é possível fechar os olhos para os efeitos antidemocráticos de discursos violentos e de mentiras que coloquem em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral”, diz trecho do voto. O ministro Raul Araújo divergiu de Gonçalves e negou o provimento da inclusão da minuta do golpe na ação por considerar que o documento “não apresenta conexão com a demanda”. Araujo definiu a minuta como um “documento apócrifo que nem sequer poder ser julgado juridicamente como documento”.
Ele também defendeu que Bolsonaro não pode ser responsabilizado por um documento encontrado com o ex-ministro da Justiça. “O fato de o ministro da justiça ser submetido ao presidente da República não torna o presidente responsável pelos atos praticados por aquele”, disse.
1º dia de julgamento
Na sessão de 5ª feira (22.jun), o relator, o ministro Benedito Gonçalves, apresentou o relatório de 43 páginas (eis a íntegra – 623 KB) elaborado sobre a ação. Em seguida, os representantes do PDT e do ex-presidente e do general Braga Netto apresentaram as sustentações orais. A minuta encontrada na casa de Anderson Torres em janeiro deste ano foi protagonista do debate entre as defesas. O PDT defendeu a permanência do documento no processo por considerar que o ex-presidente estaria envolvido em uma tentativa de “golpe de Estado”. Já o advogado de Bolsonaro, Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, refutou a relação da reunião com os atos extremistas do 8 de Janeiro. A defesa do ex-presidente argumenta que a minuta trata de fatos posteriores à reunião e que o TSE deveria julgar só o que foi tratado no evento. As provas foram incluídas em janeiro, depois de pedido do PDT, pelo ministro relator. Na avaliação de Gonçalves, a minuta pode ter relação com os fatos investigados no processo. O julgamento foi suspenso depois da apresentação do parecer do MPE (Ministério Público Eleitoral), que defendeu a inelegibilidade de Bolsonaro, mas foi contra aprocedência da ação contra Braga Netto. O vice-procurador-geral da República, Paulo Gustavo Gonet Branco, afirma que Bolsonaro cometeu abuso de poder político ao convocar uma reunião com embaixadores e levantar dúvidas sobre o processo eleitoral.
2º dia de julgamento
A sessão de 3ª feira (27.jun) foi reservada para a leitura do voto do relator. Em quase 4 horas de julgamento, Benedito destacou que o teor das falas do ex-presidente durante a reunião com embaixadores foi um “flerte perigoso com o golpismo”. A frase usada diversas vezes por Bolsonaro sobre estar “dentro das 4 linhas” também foi abordada em vários trechos pelo relator. Ao analisar as declarações de Bolsonaro na reunião, o relator afirmou que o ex-presidente usou de “conspiracionismo e vitimismo” ao falar que as eleições que viriam a ocorrer seriam fraudadas. Gonçalves também declarou que as falas do ex-chefe do Executivo durante o evento levaram ao descrédito do TSE perante a comunidade internacional. “O conteúdo comunicado às embaixadas e aos embaixadores não tinha qualquer aptidão para dissipar pontos obscuros, mas sim levantar um estado de paranoia coletiva“, disse o ministro em seu voto.
Gonçalves afirma que o ambiente criado por Bolsonaro na reunião contribuiu para criar um “curto-circuito cognitivo”. Ele também negou que o ex-presidente tenha procurado um ambiente de diálogo, como é sustentado em sua defesa. “Cada vez que explorava as credenciais da Presidência da República para contestar a competência e a confiabilidade do TSE por meio de ataques à integridade dos magistrados e dos servidores, o primeiro investigado contribuiu para criar um curto-circuito cognitivo frente à pergunta básica que guia a espécie humana em sua exitosa jornada na produção de conhecimento coletivo: em quem confiar?”, diz trecho do voto de 382 páginas.
Na leitura das questões preliminares, Gonçalves defendeu ainda a inclusão, na ação, da minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. A defesa de Bolsonaro reiterou questões que já foram rejeitadas pela Corte Eleitoral, dentre elas a incompetência da Justiça Eleitoral para julgar o caso e a discordância da inclusão do documento no processo. Ao falar sobre a minuta, Gonçalves mencionou o julgamento da chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), em 2017, e afirmou que, na época, as provas apresenta.
das no processo indicavam provas novas. Para ele, esse não é o caso da ação de Bolsonaro.
O ministro declarou que “a reunião de 18 de julho de 2022 não é uma fotografia na parede, mas um fato a ser analisado com contexto”, o que justificaria a inclusão de diligências posteriores ao caso. “Em razão da grande relevância e da performance discursiva para o processo eleitoral e vida política, não é possível fechar os olhos para os efeitos antidemocráticos de discursos violentos e de mentiras que coloquem em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral”, diz trecho do voto.
Entenda
Urnas eletrônicas – disse que as urnas completaram automaticamente o voto no PT nas eleições 2018 e não possuem sistemas que permitem auditoria. Afirmou ainda que os resultados de 2018 podem ter sido alterados;
Apuração – Bolsonaro disse que não é possível acompanhar a apuração dos votos e que a mesma é realizada por uma empresa terceirizada;
Ministros do TSE – afirmou que o ministro Roberto Barroso, na época ministro do TSE, havia sido indicado ao STF (Supremo Tribunal Federal) depois de ceder favores ao Partido dos Trabalhadores e estaria empreendendo perseguições contra ele. Em relação ao ministro Edson Fachin, na época presidente do TSE, disse que ele foi responsável pela elegibilidade de Lula.
A ação foi protocolada pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista) em agosto de 2022, 1 mês depois da reunião do então presidente com embaixadores no Palácio da Alvorada. O partido pediu a inelegibilidade do ex-presidente e a cassação da chapa de Bolsonaro com o general Braga Netto – o que não poderia acontecer, já que o ex-presidente não foi eleito em 2022 e o julgamento ocorre depois do pleito. Além disso, o partido pede a exclusão de vídeos do conteúdo publicado pela Agência Brasil — o que já foi feito.
da ministra Cármen Lúcia e dos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes….
Julgamento
A análise da ação no TSE foi prolongada em 4 sessões. A 1ª foi realizada em 22 de junho com a leitura do relatório produzido por Benedito Gonçalves, as sustentações orais da defesa e acusação, além da manifestação do MPE (Ministério Público Eleitoral). O 2º dia de julgamento foi na última 3ª feira (27.jun) e contou somente com o voto do relator, que se prolongou por 4 horas. Na sessão seguinte, na 5ª feira (29.jun), votaram os ministros Raul Araújo, Floriano Marques e André Ramos Tavares, respectivamente. A 4ª e última sessão foi realizada nesta 6ª feira (30.jun) com o voto da ministra Cármen Lúcia e dos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
Fonte: www.poder360.com.br