Saber conviver

Padre João Medeiros Filho

Fala-se amiúde que o difícil não é viver, e sim conviver. Atualmente, são bastante comuns a falta de respeito e a agressividade no relacionamento humano. Há dificuldade ou inabilidade em saber conviver. Muitos sequer se apercebem disso. Evidencia-se a impressionante incapacidade de se desfrutar de uma vida social saudável. Parece que se abriu mão dos avanços positivos da civilização. E, no tocante à convivência, tem-se a impressão de um grande retrocesso. O convívio social deteriorou-se a ponto de uma pessoa polida tornar-se joia rara, suscitando por vezes desconfiança ou escárnio. Noções básicas de lhaneza e civilidade vêm sendoesquecidas ou abolidas. Ser gentil assume ares de fraqueza ou esnobismo.

São João Paulo II, em sua Carta Apostólica sobre a “Dignidade e a vocação da mulher”, afirmou: “As coisas estão se invertendo cada vez mais. O feminismo saudável está se transformando num machismo de saia. Relega-se a segundo plano a grandeza da mulher, sindicalizando-se a dignidade feminina.” Para muitos, mostrar-se afáveldenuncia insegurança ou debilidade. Não se leva a sério uma coletividade, na qual os direitos de outrem devem ser respeitados. Ética tornou-se algo ultrapassado e sem espaço no mundo contemporâneo. Seu significado e valor tornaram-se ignorados ou desprezados. Egoísmo, grosseria, intransigência, intolerância ou radicalismo,impaciência ou arrogância passaram a dar o tom no cotidiano das pessoas.

Tudo isso tem suas causas e raízes. As condições educacionais, o desprezo e abandono da axiologia, a ausência da prática religiosa (seja ela qual for) – como parâmetro de vida – e a influência externa estão minandonossas tradições, simpatia e hospitalidade. A educação tradicional foi substituída por uma perigosa permissividade. O que se vê hoje é a consequência natural dessa transformação conjugada à insanidade pela qual o mundo enveredou. Como pode se comportar um jovemcriado sem limites e com pouco ou nenhum preparo emocional e psíquico? Chegando à vida adulta, enfrentaráuma sociedade altamente competitiva, escravizada pelo consumismo desenfreado, pela fome indômita do lucro, marcada pela injustiça e impunidade, corrupção, violência e por um culto mórbido à aparência, tanto física, comosocial. Vive-se num mundo do desrespeito, da mentira, das narrativas, do ter, poder e aparecer. Pode-se verificar tudo isso nas deprimentes sessões do Parlamento Nacional. Ali, ignoram-se as comezinhas regras da convivência institucional. O uso hipócrita (e até risível) das formas oficiais de tratamento e mesuras corrobora a degradação e incivilidade de certos “representantes” da população.Rasgou-se o Código de Ética. Não se deve confundir autenticidade ou convicção ideológica com insultos, discordâncias eivadas de agressões e volúpia da destruiçãodos opositores. Sepulta-se o bem-estar por vaidade e ambições pessoais e manipulação de projetos partidários.

Muitos concordam que a educação permissiva fracassou e o antigo modelo autoritário também se revelou inadequado. Na verdade, o atual sistema educacional tem se mostrado pouco eficiente. A ênfase dada por algumas instituições de ensino é centrada no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ou o equivalente, como se o futuro do ser humano fosse apenas o mercado de trabalho ou a profissão a ser exercida. A escola prioriza a transmissão de muitas informações e subestima outros valores humanos, levando à fácil ideologização. A Academia propõe-se a preparar técnicos, esquecendo o cidadão, o futuro esposo e pai de família. Faltam líderes, demonstrando exemplos e testemunhos de vida. “É preciso humanizar o homem” insistia Jacques Maritain, em sua obra “O humanismo integral”. Charles Chaplin reiterava: “Sois homens e não máquinas!

Urge implementar noções claras de uma saudávelconvivência em sociedade. Isto pode soar como algo estapafúrdio. No entanto, é uma reivindicação imprescindível. Não lograram grande êxito os métodos rígidos, excessos e lições de moral distantes da realidade. Tampouco têm-se revelado frutíferas as técnicaspermissivas e de lassidão. É fundamental que paire o respeito entre todos. Porém, é preciso fazer algo. As religiões, dentre elas o cristianismo, têm a missão de melhorar ou aperfeiçoar o ser humano. Eis o que nos ensina a Sagrada Escritura: “Ninguém dentre vós agrida, desrespeite, desconsidere e oprima o seu próximo. Somente Eu estou acima de vós e sou o vosso Deus” (Lv 25, 17).