A poesia do Sermão da Montanha

Padre João Medeiros Filho

Deus é sapientíssimo. Não fui contemplado com o carisma da poesia e o talento de uma bela voz. Porém, fui escolhido para a divina missão de um “aboiador do Evangelho”, como me chamava Oswaldo Lamartine. Quando eu era criança, causou-me forte impressão o cantador Dimas Batista, ao denominar os cordelistas “anjos e profetas do Eterno.” O artista piauiense João Cláudio Moreno confessa que tinha o desejo de ser repentista. Chegou a comprar uma viola. O repente é a salmodia do poema. Parafraseando aquele renomado violeiro pernambucano, considero os seresteiros, cantadores e poetas seres celestes, passeando pelas ruas dos homens. Sempre os admirei e exaltá-los-ei.

Segundo Jean Giblet e vários exegetas, Jesus foi um exímio repentista. Infere-se de passagens bíblicas neotestamentárias em aramaico e hebraico. Para eles, o enunciado de cada Bem-aventurança apresenta a estrutura morfológica e literária dos motes. No ápice de sua pregação, Ele brinda-nos com ensinamentos densos de poesia, contidos no Sermão da Montanha (Evangelho de Mateus, capítulos 5-7). Enaltece as virtudes da mansidão, paz, justiça, misericórdia e capacidade de servir. Suas lições contêm metas existenciais audaciosas para a sociedade: amar os inimigos e perdoar a quem nos ofende.

Não basta obedecer às leis e normas, ancoradas no cumprimento dos preceitos morais para evidenciar a dignidade do homem. Os fariseus exigiam tal observância. Jesus vai além, convidando seus seguidores a buscar a nossa beleza poética. Desta forma, é possível tornar-se instrumento a serviço da vida em suas diferentes etapas. Há lirismo nas expressões do Filho de Deus, ao proclamar: “Olhai os pássaros do céu, não semeiam, não colhem, nem ajuntam nos celeiros. Aprendei dos lírios do campo. Não trabalham, nem fiam. Entretanto, nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles” (Mt 6, 26; 28-29). Belas são as metáforas: “Vós sois o sal terra; vós soisa luz do mundo” (Mt 5, 13;14).

Conhecedor profundo da alma humana, Jesus ensina a sabedoria própria da poesia da vida, nascida da contemplação. Esta é o seu vestíbulo. A leveza da ode do existir não é uma simples brisa para amenizar a dureza de nosso dia a dia. É fonte sapiencial que pode corrigir conceitos distorcidos, apontar caminhos para soluções urgentes, respeitando a grandeza do homem. É capaz de facilitar percepções que curam desequilíbrios. Também possibilita deter constantes ameaças que conduzem a fracassos humanitários e ecológicos, contaminando cada vez mais os processos sociais. O mundo contemporâneo não deve balizar a sociedade por qualquer mesquinhez que comprometa a sublimidade do dom da vida.  

Urge investir na sensibilidade poética de nosso ser a fim de brotar uma lucidez espiritual que permita reconhecer o sentido da existência. Assim, chega-se ao encontro e ao culto da fraternidade. O Nazareno assegurou-nos: “Vinde a mim todos vós que estais cansados. Eu vos darei descanso. O meu fardo é leve e meu jugo é suave” (Mt 11, 28;30). Deste modo, retirou a amargura do cotidiano, inserindo ali um sorrir poético. Assim, é possível recuperar o sentido genuíno de humanidade e solidariedade. Com poesia e espiritualidade consegue-se viver melhor. E quando se é simples egeneroso, o resultado é gratificante. Assevera-nos o Mestre da Galileia: “Dai e vos será dado numa medida plena e transbordante” (Lc 6, 38).

A recomendação da poetisa goiana Cora Coralina talvez nos incentive a cultivar tais sentimentos: “Torna a tua vida um poema. Viverás no coração dos jovens e na memória de gerações futuras.  Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem e não entraves seu uso aos que têm sede.”  Sem a poesia do viver poderá crescer, cada vez mais, o número daqueles que desistem da própria existência. Aumentarão os segmentos que buscam apenas o seu bem-estar sem pensar em outrem. Despontarão atitudes insensíveis que segregarão ainda mais os velhos, doentes, sofridos, indefesos e carentes. A força poética, brotada de Jesus Cristo, era tanta que o apóstolo Mateus concluiu da seguinte forma aquela parte do seu evangelho: “E as multidões ficaram maravilhadas com as suas palavras” (Mt 7, 28).