No Brasil de hoje, parece que não conseguimos nos desvencilhar de certas amarras. É como se tivéssemos várias camadas de pele sobrepostas e, ao retirarmos uma, em frente ao espelho, nós nos pegássemos defrontando com sombras que insistem em nos acompanhar.
O mal que os últimos anos de obscurantismo fizeram ao país marcou a ferro quente a alma do povo brasileiro. E as feridas insistem em se mostrar, horrendas, sibilinas, como chagas profundas.
Há uma intolerância que ocupou na sociedade o nosso famoso jeito tranquilo e afável. Ao que tudo indica, a máscara era mesmo essa certa fama de uma gente aberta, plural e que gostava de parecer gentil.
Mas a verdadeira face é preconceituosa, agressiva e cultua o ódio. Com o passar dos tempos, e certo amadurecimento nas relações sociais, o natural seria que os preconceitos fossem sendo deixados de lado. Mas, ao que tudo indica, os quatro anos em que se investiu na barbárie deixaram cicatrizes profundas e afloraram um povo que se jacta de ser imensamente sectário.
O orgulho de certas figuras, que ainda insistem no caos, é realmente de causar preocupação. Existe uma seita bolsonarista que acredita que a Terra é quadrada e que a palavra do seu líder vale mais do que a realidade. O que mais incomoda e assusta é que nem preciso apontar fatos atuais como sustentação para essa constatação. E o conjunto da obra nos envolve e nos sufoca.
Uma realidade alternativa, na qual os prisioneiros de 8 de janeiro se sentem presos políticos e, mesmo tendo sido abandonados pelo mito, continuam em oração e em adoração permanente.
E os órfãos de um golpe militar que, felizmente, foi frustrado ainda acreditam que os extraterrestres virão montados em seus cavalos brancos e, juntamente com alguns heróis helenianos, tomarão o Poder e implementarão um governo contra o comunismo, seja lá o que for isso. Contra o ridículo, não existe nenhum parâmetro de resistência.
O ministro Alexandre de Moraes relatou ser “assustador” e se mostrou surpreso com a alienação de algumas pessoas presas que até agora vivem em um mundo paralelo.
Ou seja, por mais que estejamos fazendo o certo, que é combater o fascismo e o extremismo ideológico, inclusive com a valorização da política como única maneira de amadurecimento nas relações, existe um sectarismo burro, cego e que, com seu viés fascista, não nos permitirá nenhuma racionalidade. Vai nos restar o enfrentamento mais duro e direto ou, talvez, o exorcismo.
Recorro-me ao meu amado Pessoa, na pessoa de Álvaro de Campos, no grande poema Tabacaria:
“Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
Fonte: www.ultimosegundo.ig.com.br