– Winston Churchill
Se Hemingway tivesse escrito sobre Brasília, iria, parafraseando sobre Paris, dizer que Brasília é uma festa. Claro que não sob o olhar da cidade única que é Paris. Mas Brasília encanta os incautos e vive, permanentemente, de uma falsa ilusão de poder. Triste para quem acredita que a proximidade do poder é poder; e mais triste é quem se apega à sua efemeridade. Essa é a regra de quem vem para a capital do país com a expectativa de ter ou viver o tal poder.
Lembro-me de uma noite, em 2002, 1ª eleição do Lula, na famosa Academia de Tênis –lugar onde moravam os novos donos do poder, já quebrou e fechou, por sinal–, quando estávamos conversando eu, o Lula, o Zé Dirceu e o Márcio Thomaz Bastos. Dezembro, Lula recém-eleito, e a discussão era sobre cargos, quem iria indicar quem e quem seria ministro. O Márcio, ministro da Justiça já escolhido, meu irmão querido, perguntou no meu ouvido: “qual cargo você gostaria”? E eu respondi: “Gostaria de ser ex-ministro do Supremo”.
Não há nessa resposta absolutamente nenhum desdém ao poder e muito menos ao Supremo Tribunal. O que, às vezes, as pessoas não entendem é que o ministro do STF é um juiz, e tem advogado que jamais seria juiz. É uma opção de vida. Se eu fosse magistrado, seria como o indigente intelectual do Moro: parcial. Logo, não posso nunca ser juiz. Como advogado, posso e devo ser parcial. O que a advocacia me deu de mais precioso foi ter voz, inclusive para criticar o Supremo. E o presidente da República.
Agora, Brasília vive novo momento efervescente sobre os cargos do poder. No Judiciário, especialmente no Supremo, é muito interessante observar o que está acontecendo nos bastidores da República. Aqueles que viraram as costas para os absurdos do então herói Moro, que se encostaram no poder da Lava Jato, que fecharam os olhos para os abusos do próprio Supremo, que se acovardaram para ganhar dinheiro e prestígio e que apoiaram as delações, esses áulicos e hipócritas, agora, querem sentar na janela. Bem como pretendem ocupar o poder e, no mínimo, serem ouvidos. Calados, quando a democracia e o Estado democrático de direito precisavam deles, ficaram acobertados pelo manto da covardia ou da pusilanimidade. Mas se escorregam como cobras prontas a mudar de pele pelo poder.
Quando o Lula foi preso, covarde e injustamente, esses operadores do direito defendiam a ordem imposta por um Judiciário, em parte, cego e subserviente a uma elite anti-Lula e a uma imprensa que conhecemos bem. Agora, são todos democratas e ávidos pelo poder.
Quando ajuizamos as ações diretas de constitucionalidade, que foram as que determinaram a liberdade do Lula, é preciso que se diga: fomos massacrados por parte desses atuais democratas. Eu fui o autor da 1ª, a ADC 43, e apanhei muito. Estou no lugar onde sempre estive, ao lado da Constituição, por sorte e coerência, sem querer e nem aceitar nenhum cargo. Mas sinto os aproveitadores de sempre se aproximando. O tal poder deve ser bom, as filas estão dobrando as esquinas, e olhe que Brasília não tem esquina!
Impressiona ver como os erros podem se repetir. Nos governos de esquerda, algumas indicações para a Suprema Corte fazem corar quem leu a Constituição e teve uma formação minimamente garantista e humanista. Não me cabe apontar o dedo. Sou advogado e devo respeito institucional à Corte.
Recomendo a análise dos acórdãos com a subleitura da teoria do domínio do fato, no tal Mensalão, para condenar o ex-ministro José Dirceu. É recente, pouco antes do massacre midiático do atual processo da Lava Jato que prendeu Lula para eleger o fascista Bolsonaro. A história ainda está sendo escrita. Cabe a cada um de nós ajudar a escrevê-la.
Orgulho-me de ter dito, da tribuna do plenário do Supremo Tribunal, quando do julgamento da ADC 43, que “o Supremo pode muito, mas não pode tudo”, e que “vivemos em um tempo em que cumprir a Constituição passou a ser um ato revolucionário”.
Os governos ditos de esquerda erraram muito na indicação de alguns ministros da Corte Suprema. Não há que se falar em instrumentalização, evidentemente, mas um dos maiores poderes no nosso sistema presidencialista é o de indicar ministros para as Cortes Superiores, especialmente para o STF e para o STJ. Essa é a regra constitucional.
Cumpri-la define o tom do governo. Hoje, mais do que nunca, a Corte Suprema, muitas vezes, dita os rumos da história. Ora, quem ganha, pelo voto, para presidente da República tem o direito constitucional de indicar quem vai decidir os rumos na Corte Suprema. Não é simples. Parece evidente que, após a indicação, não cabe ao Executivo dar qualquer palpite aos integrantes do Judiciário. É a regra básica da independência dos Poderes que sustenta o Estado democrático de direito.
Mas cabe uma reflexão absolutamente democrática. Entregar esse enorme poder nas mãos de reacionários e conservadores é trair o voto popular que elegeu o presidente da República.
É óbvio que a Constituição delega ao presidente eleito o poder de escolher quem ele quiser para a Suprema Corte. Mas a pretensão é que seja uma escolha democrática. Quem vai ser ouvido? Os que historicamente nos traíram? Os carrascos do Mensalão que criminalizaram a política? Os que apostaram no Moro e afagaram a Lava Jato?
Não entendo que exista um poder imperial do presidente da República de escolher quem não defenda um projeto de um judiciário democrático, livre e independente. O Brasil só vai avançar e fugir definitivamente do fascismo que nos assombra quando nossa base de sustentação forem os movimentos democráticos com os ouvidos postos em quem fala a nossa língua.
Como nos ensina Pessoa, “Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer”.
Fonte: poder 360