“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.”
–Mário Quintana
Hoje, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completa 20 dias com cara de, pelo menos, 2 anos. Só 8 dias depois de uma posse com inédito simbolismo, na qual o presidente teve a grandeza de dividir a subida da rampa com representantes dos brasileiros “invisíveis”, mas que verdadeiramente representam o Brasil real, enfrentamos uma tentativa de golpe de Estado com a ocupação violenta e brutal das sedes dos Três Poderes.
As instituições reagiram à altura da gravidade do momento e, no dia seguinte, Lula proporcionou ao mundo outro gesto emblemático: a descida da rampa junto com a presidente do Supremo e outros ministros da Corte, com os presidentes da Câmara e Senado, com todos os governadores, além de vários ministros de Estado, seguida da caminhada até o prédio do Supremo Tribunal Federal, que havia sido covardemente depredado.
E, numa necessária medida de contenção da fúria golpista, foram mais de 1.500 prisões em flagrante, várias prisões cautelares nos dias subsequentes, buscas e apreensões, desocupação dos acampamentos em frente aos quartéis e bloqueio de contas correntes de financiadores do golpe. Enfim, o governo está fazendo a reação essencial para preservar o Estado Democrático de Direito e afastar a hipótese de ruptura institucional. Afinal, como nos ensina Mia Couto:
“Não é segurando nas asas que se ajuda um pássaro a voar”.
No dia da diplomação, Lula fez um discurso em minha casa repleto de relevantes significados. Afirmou que só aceitou ser candidato por ter a certeza de que ele era o único capaz de derrotar o fascismo. Com profundo conhecimento histórico e do momento pelo qual passa o Brasil, ele fez a análise correta e tirou o país das garras afiadas do terror e da barbárie. O Brasil e o mundo reconhecem a dimensão da vitória da civilização.
Ocorre que, 20 dias depois da posse, outro enfrentamento histórico se faz urgente. E com a mesma dimensão do 1º, que foi o de começar a derrotar os bárbaros.
Temos todos a mais firme certeza de que só Lula daria esse passo fundamental e imprescindível, o de ganhar as eleições contra um presidente inescrupuloso em exercício, que tinha apoio de boa parte do Congresso Nacional e da podre elite brasileira. Além do uso criminoso do dinheiro público para manter o regime de benesses e de horror. Sem a vitória, que devemos ao Lula e à frente que ele costurou e dirigiu, nós estaríamos no fundo do abismo, com a destruição de todas as conquistas civilizatórias. Em poucos dias de governo, já podemos verificar os enormes avanços nas mais variadas áreas.
O país volta a respirar ares democráticos. As primeiras medidas anunciadas na saúde, na educação, na cultura e nos direitos humanos nos dão segurança de que voltamos a colocar o Brasil no trilho do progresso e da paz social. Porém, os últimos acontecimentos precipitam uma discussão que deveria se dar depois da consolidação do governo. Entretanto, o que distingue um governante de um estadista é ser mais do que contemporâneo ao seu tempo, é saber ousar e fazer a hora.
Tenho repetido que o Brasil errou na redemocratização ao não punir os torturadores e assassinos. E, parece-me óbvio, só pacificaremos o país se, neste momento, enfrentarmos os nossos fantasmas e responsabilizarmos todos os que tramaram contra a democracia e optaram pela ruptura constitucional. Civis e militares. Sem perseguir, mas sem proteger. A Constituição é única e serve para todos, eis a tônica que demonstra a maturidade democrática de uma nação.
Essa será uma decisão que passa pela coragem e visão histórica do presidente da República, pois é assim no sistema presidencialista. Com certeza, a grande maioria dos ministros não vai querer tal embate, que definirá se vamos entrar realmente no rol dos países civilizados ou se continuaremos na periferia. Vários deles defenderão que existe um Brasil a ser reconstruído e que a responsabilização dos militares poderá dificultar o processo.
É digna de admiração e respeito a preocupação em tirar o país do caos e do precipício que o Bolsonaro nos impingiu. Mas, se não enfrentarmos os nossos nós, em todas as dimensões, muito provavelmente voltaremos ao fantasma da barbárie em pouco tempo.
A hora é esta! O desafio mais difícil era o de o Lula vencer o fascismo nas urnas, em uma eleição quase impossível. A vitória nos deu a musculatura para sonharmos com um Brasil livre e democrático. E o golpe tentado em apenas 8 dias de governo deixou claro que não podemos dormir com o inimigo.
Os golpistas, militares ou civis, são solertes e inconfiáveis. Têm no DNA o germe da traição e da covardia. São dissimulados e perigosos. Ou fazemos agora o enfrentamento necessário, ou iremos arrumar a casa e fazer as reformas necessárias para que o fascismo assuma outra vez, em breve, como inquilino. A hora é esta e pode não ser simples, mas, mais uma vez, dependemos da liderança do presidente Lula.
Fazendo uma homenagem ao querido Geraldo Vandré e à nossa turma de 68, sem parecer provocação: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Fonte: poder 360