Bento XVI, teólogo e papa

Padre João Medeiros Filho

No dia 31/12/2022, faleceu no Mosteiro Mater Ecclesiae (Vaticano) Sua Santidade, o Papa Bento XVI. Governou a Igreja, como 265º pontífice, de 2005 a 2013. À época, causou admiração seu corajoso gesto de renúnciaao papado. O poeta Cassiano Ricardo escreveu: “mais importante que o reino é o ato de abdicação consciente ao reinado. Isso revela humildade e grandeza de alma. Aautenticidade humana vale mais que o poder. Joseph Aloisius Ratzinger nasceu em Marktl (Alemanha), aos 16 de abril de 1927. Foi ordenado sacerdote, em 24 de junho de 1951 e nomeado arcebispo de Munique, no dia 24 de março de 1977. Sua elevação ao cardinalato ocorreu, três meses após sua escolha para o episcopado. A eleição ao papado aconteceu, aos 24 de abril de 2005 e sua renúnciaao sumo pontificado, em 28 de fevereiro de 2013.

Era amigo de Monsenhor Ônio Caldas de Amorim (sacerdote do clero diocesano de Caicó), com o qual mantinha contato em esperanto pelas redes sociais. Durante 25 anos, exerceu o magistério. Foi um teólogo respeitado, marcado por sua firmeza dogmática e capacidade especulativa. Segundo vaticanólogos, era um dos pontífices mais eruditos. Poliglota, dominava oitoidiomas, além do conhecimento de latim, grego e hebraico clássicos. Legou à Igreja três encíclicas importantes, notadamente “Deus caritas est”. Sua obra mais difundida é a coleção “Jesus de Nazaré”, traduzida em mais de vintelínguas. Alguns consideravam-no racional e frio. Entretanto, os amigos mais íntimos revelam que, apesar de sua timidez, sabia acolher, sendo de hábitos modestos e afável. Sua discrição não ofuscava a sua solidez doutrinária e teológica.

Analisava o eventual conflito entre fé e razão, procurando mostrá-las como dons divinos ao homem. Emseus escritos elucida que não há antagonismo entre ambas. São faces de uma mesma realidade. Ratzinger lutou ardorosamente para distanciar a teologia da ideologia. Emcertos momentos, as duas coexistiam no pensamento e discurso de pensadores eclesiásticos. Lamentava que “o ser humano tenha dominado pela ciência a natureza e não conseguido conter suas paixões e interesses particulares.” Demonstrava em vários artigos publicados em revistas especializadas, que “o primeiro pecado da humanidade consistiu na sede de poder e no orgulho, narrado nametáfora da queda de Adão e Eva, no Éden. A vaidade humana tenta criar oposição entre razão e fé. Ambas são luzes do Altíssimo a serviço da caminhada humana.

Bento XVI buscou sempre o equilíbrio pastoral da Igreja. Lutou contra abusos, excessos, desvios e deslizes de clérigos. Como consequência sofreu incompreensões e críticas de alguns eclesiásticos. Esforçou-se o máximo para indicar o caminhar da Igreja. Soube transigir e dialogar. Não deixou de compreender tanto os vanguardistas quanto os conservadores. Pregou sempre o “Cristo Crucificado, escândalo e loucura para tantos (1Cor 1, 13), [mas] Luz do Mundo (Jo 8, 12). Dialogava com renomados teólogos, abordando grandes temas pastorais e dogmáticos. Mostrou abertura para os dissidentes numa postura ecumênica. Autorizou a celebração (hoje parcialmente revogada) da missa em rito tridentino para trazer de volta ao seio da Igreja cristãos afastados por razões disciplinares e litúrgicas. Na sua ortodoxia, não deixou de estender a mão a outras igrejas, primeiramente,à anglicana, recebendo com espírito paternal “os irmãosseparados da comunhão plena.

A morte de Ratzinger põe fim a convivência no Vaticano de dois papas: Bento XVI e Francisco. Este voltado para problemas pastorais do mundo atual. O outro,preocupado com a ortodoxia por sua formação teológica e longa experiência dirigindo a Congregação da Doutrina da Fé, guardiã da pureza do Evangelho. É de São João Paulo II a Encíclica “Fides et Ratio” (Fé e Razão), mas foi Bento XVI quem mais debateu a temática, tornando-a quase um lema de seu pontificado. É grande o legado cultural de Ratzinger, enquanto Papa. Ressaltem-se, além dasencíclicas, seis Cartas Apostólicas, oito documentos em forma de Motu Proprio, uma Constituição Apostólica e dezenas de mensagens pontifícias. Cabem-lhe perfeitamente as palavras do apóstolo Paulo, dirigidas ao discípulo Timóteo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Agora, está reservado para mim o prêmio daqueles que esperaram com amor a sua manifestação” (2Tm 4, 7-8).