Padre João Medeiros Filho
Este é o título de um poema de Michel Quoist, no qual analisa um dos males do mundo atual. Sacerdote francês da diocese de Le Havre, autor de vários livros, sendo o mais conhecido no Brasil: “Poemas para Rezar”.Foi traduzido para o português por Dom Lucas Moreira Neves e publicado pela Editora Livraria Duas Cidades (SP). Em seu poema, o autor comenta o desabafo de muitos: “Senhor, errastes nos cálculos. Há um engano geral: os anos, as horas e vidas são curtos demais!” Atualmente, é queixa constante a falta de tempo. Sabe-se que ele é indomável e implacável. Mas, não consegue apagar a verdade dentro de nós. Ela eterniza-se.
Vive-se a época das pessoas sem tempo. Esta é a justificativa geral e rotineira para a não realização de inúmeros atos e acontecimentos. Percebe-se que os filhos não manifestam mais interesse em conversar com os pais (ou vice-versa), utilizando essa alegação. Isso faz com que o comparecimento a encontros familiares venha sendo cada vez mais esporádico. E com idêntico pretexto as tarefas não são entregues no prazo previamente fixado. Participa-se pouco de cerimônias religiosas e raramente visitam-se doentes e amigos. A ausência tem como justificativa o velho clichê não haver tempo. Em conferências, palestras, reuniões etc., a maioria não se concentra para ouvir os palestrantes. A atenção volta-se para o celular e o relógio. Sempre a desculpa clássica: não se pode perder tempo. Contudo, essa atitude é igualmente sinônimo de desinteresse. A tecnologia vem nos tornando cada vez mais apressados e impacientes. Isso lembra Einstein: “Tenho medo do dia em que a tecnologia vai se sobrepor ao relacionamento humano. O mundo terá uma geração de tolos.”
As pessoas estão conversando e escutando cada vez menos e por isso cultivam tão poucas amizades. “Como não há lojas de amigos, os homens não têm amigos”, eis a irônica observação da raposa ao Pequeno Príncipe. O cantor franco-armênio Charles Aznavour, em sua canção “Hier encore”, lamenta: “je gaspillais le temps”, ou seja, desperdiçou tantos momentos e ocasiões, algo irretornável. Assemelha-se a uma síndrome se apoderando do ser humano. Tal evidência se acentua, ao verificar que tantos se afastam de Deus por um motivo irrelevante: falta de tempo! Não é raro ouvir: gostaria de ler a Bíblia, visitar os colegas etc., porém repetem-se as mesmas escusas. Não se dispõe sequer de alguns minutos para cultuar o Pai celestial. Entretanto, o Onipotente dotou-nos detemporalidade suficiente para viver. “Criou o dia e a noite. E viu que era bom” (Gn 1, 25). Muitos reclamam: há tanto o que fazer, mas tudo passa tão rápido! A origem do descompasso está no interior do próprio homem. Deus certamente dá oportunidade suficiente a todos para realizar o que é indispensável à vida, porque “o Senhor é bom e seu amor dura para sempre” (Sl 136/135, 1).
É importante relembrar o que Cristo tem a dizer sobre isso: “Marta, Marta, estás inquieta e ocupas teu tempo com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária” (Lc 10, 41). O que é essencial na vida, o único imprescindível? Trata-se do Transcendente, que permanece mesmo após a morte, final de nossa cronologia. O evangelista Mateus narra outra passagem, em que um doutor da lei perguntou a Jesus o que era mais importante (Mt 22, 34ss). A resposta do Mestre foi simples: amar a Deus e aos irmãos. O que cada um irá pensar, dizer ou fazer, deverá ser consequência de seu amor. E este exige tempo, dedicação, diálogo e perdão. Poder contar os dias, anos e sonhar com a eternidade é indubitavelmente um grande dom de Deus, gesto inefável de sua bondade. No entanto, é preciso não esquecer que esse é um “presente perecível, que não se conserva”, afirma Quoist, quase ao final de seu poema. O filósofo Nicolau de Cusa assim definiu a temporalidade: “delicada como um cristal, um aceno de Deus, fugaz e irreversível.” Deve-se sempre ter em mente as palavras da Sagrada Escritura: “Tudo tem seu tempo certo. Há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu” (Ecl 3, 1).