Padre João Medeiros Filho
Hoje, comemora-se o 133º aniversário da Proclamação da República, no Brasil. O conceito do vocábulo tem seus primórdios em Roma, a partir de 509 a.C. O termo provém do latim “res” (coisa) e “publica” (do povo), feminino de “publicus”, uma variante latina de “publius”, usada pelos etruscos. Na língua do Lácio, existem nuances entre “populus” e “publicus”, traduzidos respectivamente para o português por popular e público. De “populus” derivam os étimos popular e populismo. Público, oriundo de “publicus”, diz mais respeito à coletividade. Deste modo, república etimologicamente significa algo próprio dos cidadãos ou da população e não popular ou populista, de conotação por vezes pejorativa.
O estado republicano surgiu para atender aos reclamos de muitos romanos. Escravos, estrangeiros e mulheres não desfrutavam de cidadania. Na Idade Média, as sociedades compunham-se de nobres, clero e povo. “Mutatis mutandis”, talvez se tenha atualmente no Brasil um quadro análogo. Há governos centrados numa classe social semelhante à nobreza (cúpula de partidos políticos, magnatas, dignitários de diversos poderes), de clérigos, (líderes de diferentes denominações religiosas) e o povo. Este é muito procurado e valorizado, quando se trata de legitimar pelo voto a novel aristocracia. Persistem entre nós decisões monocráticas e imperativas, resquício dos sistemas monárquicos e absolutistas, contrárias ao espírito republicano. Importa lembrar o apóstolo Paulo: “Deus não faz distinção de pessoas” (Rm 2, 11).
O período, entre os séculos V e XIV, marcou o nascimento de repúblicas. No final do século XII, alguns centros comerciais passaram a adotar tal forma de administração social. Assim aconteceu em regiões que hoje compõem o norte da França e o sul da Bélgica. A Itália conheceu exemplos clássicos: Veneza, Florença e Siena. Geralmente, eram geridas por patrícios, classe formada pela elite da burguesia ascendente. Entretanto, conceitos de república, hoje vigentes, inspiraram-se nos modelos pós Independência dos Estados Unidos (1776) e Revolução Francesa (1778-1789). A constituição norte-americana, promulgada em 1788, fundamentava-se no iluminismo, que celebrava a razão e aspirava ao conhecimento e à liberdade. Estabeleceu uma governança com independência federativa e separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, garantindo liberdades individuais. Há de se registrar também a influência do positivismo de Auguste Comte em nossos ideais republicanos. Pergunta-se quando esse ideário estará imbuído plenamente de brasilidade, rejeitando-se esquemas importados e tangidos por ventos radicais de esquerda ou direita.
Atualmente, o nosso sistema constitucional de governo é a república federativa, expressão da democracia representativa, em que o povo elege seus representantes para que possam realizar o bem comum. Detêm a missão de ser guardiães da nação, governando para todos, estabelecendo a garantia dos direitos constitucionais e outros previstos em leis. É digno de aplausos, quando atinge seus objetivos. Infelizmente, isso não sói acontecer plenamente em nosso país. É lamentável que nossos problemas e chagas sociais: corrupção, improbidades arbitrariedade, injustiça, desigualdade, atos ditatoriais sejam notícias diárias. Inúmeros brasileiros ainda não têm acesso aos direitos básicos, principalmente, moradia, saneamento, meios de transporte, alimentação saudável, educação, saúde e segurança. A situação parece se arrastar, há mais de um século. Encerra flagrante contradição com a sua origem semântica e sociopolítica. Torna-se ainda mais incoerente, quando há aqueles que se jactam de governos do povo, mas administram para eles mesmos e um seleto grupo.
Para o tribuno romano Cícero “o amor à pátria é um dever incondicional de reconhecimento à terra da qual se obtém a nacionalidade.” Ao longo de nossa história, são raros os exemplos de governantes que tenham convidado pessoas alheias ao consórcio político-partidário para participar de sua administração. O governo não é para todos? Retornando aos ensinamentos de Cícero, “é fundamental o patriotismo.” O Brasil é o solo que legou a nossa identidade e propicia o nosso sustento. Não se pode pensar verdadeiramente na pátria, querendo importar modelos de sociedade que agridem as nossas tradições e cultura. Para que isso aconteça, todos (e não apenas grupos oligárquicos) devem participar ativamente das decisões. A omissão não é patriótica, tampouco cristã. O país é de todos ou de alguns? Convém citar o profeta Isaías: “Deveis administrar com equidade e governar sob o direito” (Is 32, 1).