Padre João Medeiros Filho
Domingo próximo, chegar-se-á ao término de um dospleitos eleitorais mais polarizados de nossa história política. Rios de sordidez, conceitos distorcidos ou corrompidos desaguaram no mar da vergonha brasileira. O país transformou-se num palco de agressões ignóbeis, sofismas, inverdades e injúrias. Desvelaram-se projetos de poder, cujas prioridades são interesses partidários,ideológicos e até pessoais. Relegaram-se a segundo planoas pautas dos problemas nacionais. Pensou-se pouco no bem-estar do povo. Efetuaram-se coalisões nem sempre éticas. Findo o primeiro turno das eleições, certas siglas partidárias já confabulavam sua fusão. Segundo analistas, os motivos para essa união não se originam no amor à pátria, mas visando ao poder e fundo eleitoral.
Planos de governo apresentavam-se esquálidos,comparados às urdiduras de consórcios políticos,sequiosos de dominação. Débeis foram os esforços pelaconstrução da paz social. Raros candidatos assumiram tal compromisso. Durante a campanha eleitoral, amizades sofreram rusgas e rupturas, além de desunião e divisõesfamiliares. Líderes religiosos pareceram ignorar a primazia espiritual. Prevaleceram o radicalismo e a desconfiança, dificultando o diálogo em prol da solução denossos problemas, alguns crônicos. Há séculos, advertia oapóstolo Paulo: “Há muita discórdia e inveja entre vós” (1Cor 3, 3). Que os eleitos supliquem como Salomão: “Concede-me, Senhor, sabedoria e discernimento para governar com êxito este povo” (2Cr 1, 10).
“Senhor, fazei de mim instrumento de vossa paz.”Estas palavras de São Francisco de Assis não aparentaram encontrar eco entre os cristãos. Tampouco, obteve ressonância o legado do Senhor: “Dou-vos a minha paz. Não como o mundo vos dá” (Jo 14, 27). Paira no ar um clima de vendeta e desforra. Convém aludir ao livro “Vingança, não”, biografia romanceada do cangaceiroparaibano Chico Pereira, escrita por seu filho Francisco Pereira da Nóbrega e prefaciada por Rachel de Queiroz. Chico Pereira morreu na Serra da Rajada, perto de Acari(RN). No epílogo da obra, lê-se um quase testamento ético-teológico de seus herdeiros: “Em todos os cárceres da terra, haverá uma cela vazia”, porque seus descendentesnão foram envenenados pela serpente da vingança. Dos três filhos, dois (Francisco e Albano) tornaram-sesacerdotes, seguindo as pegadas do Mestre do Perdão.
Fala-se muito em desvios do sentimento religioso. Não caberia aos ministros (de todos os credos e adeptos dediferentes blocos partidários) uma reflexão ou exame de consciência? Um dia, optaram livremente por seranimadores espirituais. Os seus seguidores indagam por que agora abraçaram o ativismo político. Grassam críticas e desaprovações a instituições e pessoasinescrupulosamente deslocadas de sua finalidade.Obnubilam-se o místico e o sagrado, conspurcam-se as igrejas e desvirtua-se a sua missão, quando há cisões nascomunidades. “Que todos sejam um” (Jo 17, 21), recomendou Jesus. Os fiéis desejam ser saciados do alimento divino, não do pão ideológico. Teologicamente, oministério religioso de qualquer denominação existe para este mister. Há sentimento de tristeza e dissenso em muitos, ao ver ministros sagrados desfigurando sua vocação. Esta consiste em iluminar consciências e não emmanipulá-las. A ditadura espiritual afronta o Evangelho. Écerceio da liberdade de pensamento e ação. Líderes religiosos de diferentes matizes, ao aderir à militânciapartidária, ferem a sacralidade dos fiéis. “O meu Reino não é deste mundo”, asseverou Cristo (Jo 18, 36). Aosrepresentantes do sobrenatural não lhes é dado poder parainterferir no íntimo dos que pedem e esperam palavras de Vida espiritual. Tais posturas cindem, acirram ânimos egeram afastamento das religiões.
O Brasil e os entes federados foram aviltados porpráticas que fizeram das eleições uma guerra abominável.Nela, importavam sobretudo o poder e suas benesses.Pisotearam-se o respeito, a decência, a justiça, a verdade e a paz social. Urge resgatar o verdadeiro sentido dapolítica: “uma forma perfeita de caridade”, segundo o Papa Pio XI. Quando do uso inadequado da fé, necessário se faz dirigir-se aos céus e rezar, como o Cristocrucificado: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23, 34). Ante os destroços pós-eleitorais, vale seguir o conselho do apóstolo Pedro: “Entregai a Deus a vossa preocupação. Ele cuidará de vós” (1Pd 5, 7).