A falta de ar e o desvio do olhar

 

Hoje em dia, andar nas ruas das cidades grandes é um exercício constante de não olhar o que está ao seu redor. São olhos pedintes que te miram não só a gritar por socorro, como também a dizer: quem é você que passa ao largo da minha dor, da fome que me assola, do meu filho que está desfalecido nos meus braços? E, ao fim e ao cabo, quem somos nós que seguimos em frente?

Há um enorme vazio no nosso caminhar. Como se uma nuvem espessa nos apertasse e nos fizesse sentir uma tontura pela falta de ar. É difícil ser frio e seguir em frente, sabendo que a indiferença não resolverá a dureza da vida de quem está nas ruas. Imagine, então, a mãe ou o pai que continuarão nas ruas com o filho no colo depois que seus olhos passarem. A dor é real. A cena é verdadeira. E nós só tentamos desviar o olhar, como se, em um filme, pudéssemos dirigir aquele trágico momento. Contudo, na verdade, nem isso conseguimos. Não é fantasia, é a vida. Somos fantoches andando nas ruas cheias de misérias humanas e vazias de solidariedade.

E, quando nos escondemos e buscamos outra realidade, nós nos defrontamos com outra situação gravíssima: funcionários públicos matando um cidadão asfixiado dentro de uma viatura oficial. À luz do dia. Os representantes do Estado torturam e matam covardemente porque sabem que esse é o poder protegido pelo fascismo instalado.

Antônio Carlos de Almeida Castro. FOTO: ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO

Será que não percebemos que todos nós estamos morrendo nos braços daqueles pais famintos e impossibilitados de alimentarem o próprio filho? Ou com aquele asfixiado, sem ar e sem perspectiva, nos camburões da polícia que julga ter o direito sobre a vida?

Em meio a esse flagelo todo, o Presidente da República comemora a morte de 23 pessoas numa chacina carioca, por entender que todos eram bandidos.

Onde está o erro? Em quem mata deliberadamente e tem a ousadia de asfixiar um homem, dentro de um carro oficial, em plena luz do dia ou em cada um de nós que não olha de frente o nosso abismo?

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay,

Fonte: Estadão