Padre João Medeiros Filho
Onde está a verdade, no Brasil de hoje? Talvez seja uma das perguntas mais ouvidas atualmente. Vive-se numa sociedade povoada de incertezas, contradições, hipocrisias, interpretações jurídicas polêmicas, sofismas e inverdades. Além disso, assaltam-nos a avalanche de informações e a pressão da mídia, influenciando o comportamento humano. Por isso, urge uma maior atenção às desconstruções de conceitos fundamentais para a sociedade. Pululam veiculações de arranjos semânticos, eufemismos, narrativas premeditadas e construídas, meias verdades e engodos. Tudo isto vem deixando perplexa e enojada parte da sociedade brasileira. Anda-se na contramão daquilo que proclama o Saltério: “A misericórdia e a fidelidade se encontram. A justiça e a paz se beijam” (Sl 85/84, 11). Ao contrário, verifica-se que a mentira e a iniquidade se abraçam. A agressividade e o desrespeito se osculam. A arrogância e a egolatria dormem no mesmo tálamo. Onde e quando isso irá terminar? Eis o pesadelo de tantos. Parece que está se constituindo norma geral: o que eu penso é o certo; o que os outros afirmam, o errado!
O desinteresse pelo verídico chega aos limites do crível e do sadiamente tolerável. O pensamento atual, maquiado por conveniências político-partidárias, ideológicas, socioeconômicas, culturais e até religiosas, manipula toda e qualquer realidade. Isto faz com que hoje seja difícil para alguns saber o que é verdadeiro ou falso. Percebe-se esse quadro deletério em muitos cidadãos e instituições de nossa pátria. Há uma legião de novos Pilatos, os quais para tranquilidade de suas consciências, questionam: “O que é a verdade?” (Jo 18, 28). Os filtros sociais não conseguem purificar as consciências, despejando nelas, aos borbotões: infâmias, injúrias, impropérios, violências e injustiças. A sociedade torna-se surda e míope, incapaz de distinguir o ético. O pronome “nós” foi substituído pelo “eu”. A pátria foi reduzida a “meu” partido, sindicato ou grupo. Eis a consequência do desprezo da verdade, em que interesses pessoais, políticos etc. agem diretamente contra os fundamentos da veracidade. Esta é confundida com construções ideológicas, transformando-se em sinônimo de favorecimento a outrem.
Hoje, cada um com sua experiência (ou inexperiência?) arroga-se o direito de elaborar a sua própria verdade, desejando, a todo custo, inescrupulosa e apressadamente, impô-la aos outros e à nação. Por conta de tal esfacelamento, sente-se dificuldade na arte de conviver e pisa-se no terreno lamacento e escorregadio da inverdade. Paulatinamente, vai se instalando no Brasil a ditadura da mentira, mãe de tantos outros males! Cristo advertia os seus discípulos: “Acautelai-vos dos falsos profetas” (Mt 7, 15). Há indivíduos, grupos, instituições, partidos, autoridades e religiões que se apresentam como soberanos e detentores de toda a verdade. Há os dogmáticos que se consideram paladinos da integridade, mas são profetas da hipocrisia. O apóstolo Paulo pregava aos cristãos de Éfeso: “Eu sei que, após a minha partida, surgirão, entre vós, lobos ferozes que não pouparão o rebanho” (At 20, 29). Certa feita, ouvi uma homilia de Dom Helder Câmara, na centenária Sé de Olinda: “Digam sempre o que é verdadeiro, honesto, correto, lícito e digno, propiciando harmonia e unidade.” Entretanto, ouvem-se atualmente alguns líderes, semeando a cizânia, instalando a discórdia e provocando a divisão.
O Papa Francisco, no início de seu pontificado, denunciara o reinado da mentira. Em qualquer época, “ele instala-se em escolas, igrejas, agremiações políticas, parlamentos, tribunais e governos, instituições públicas ou privadas, colocando em risco a sadia convivência entre os seres humanos.” E o Sumo Pontífice, saudando os membros do corpo diplomático, acreditados junto ao Vaticano, acrescentou: “Sem a verdade não haverá paz. E esta não pode acontecer, se cada um é a medida de si mesmo.” Iluminados por Aquele que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6), esforcem-se todos os brasileiros de boa vontade para que seus atos promovam a união entre as pessoas, o “Reino da Verdade, da Justiça e da Paz”, segundo as palavras de Pio XII. Convém lembrar o ensinamento bíblico no Livro dos Provérbios: “O Senhor abomina olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, pensamentos ardilosos e falsos” (Pr 6, 16).