Há algum tempo, tenho escrito sobre o trabalho cuidadoso e deliberado do governo Bolsonaro em desestruturar as instituições brasileiras. O que parece, muitas vezes, uma desídia, quando analisado detidamente, demonstra ser uma estratégia de enfraquecimento das conquistas democráticas acumuladas ao longo de séculos de história. E é muito difícil lidar com quem não tem nenhum limite no trato com os direitos e garantias constitucionais e individuais.
Desde as eleições, quando o grupo que assumiu o governo federal resolveu usar mentiras, ataques pessoais e baixarias cruéis, nós deveríamos ter entendido que eles não mediriam esforços para alcançar o que pretendiam. E nem para se manterem no poder. A frase do coronel Jarbas Passarinho, ao assinar o AI-5, “Às favas todos os escrúpulos de consciência”, parece ter virado um lema para o atual governo.
Mas, mesmo para quem está se acostumando com as criaturas bizarras que saem diretamente do esgoto que se transformou o governo do Brasil, está sendo difícil conviver com o modo com que estão tratando a questão da tortura durante o golpe cruel e assassino que se abateu sobre o país após 64.
Percebe-se um grau de cinismo e desprezo pela dignidade da pessoa que, penso, só vem à tona de maneira assumida por acreditarem esses bárbaros que o trabalho de desestruturar as instituições já lhes permite fazer, a céu aberto, todo tipo de sandices.
Quando o Presidente da República exalta o sofrimento e homenageia o torturador, ele dá um sinal para os monstros teratológicos saírem das trevas e assumirem suas faces verdadeiras a olho nu.
O episódio da revelação dos áudios das sessões do Superior Tribunal Militar é de uma gravidade inaudita. Todos nós conhecemos o Projeto Brasil Nunca Mais, coordenado pelo magnífico Dom Paulo Evaristo Arns que, em 1985, em um ato de grande coragem e desprendimento do nosso inesquecível Sigmaringa Seixas, dentre outros, apresentou provas incontestáveis, baseadas em autos da Justiça Militar, de inúmeros casos de tortura.