Dom Delgado e as origens da Barragem de Oiticica

Padre João Medeiros Filho

Ao longo de minha vida, procuro seguir a orientação do Livro de Sirácida (Eclesiástico): “Façamos o elogio dos homens ilustres, nossos antepassados, através das gerações”. (Sr 44, 1) Por temperamento, educação familiar e formação eclesiástica, não sou afeito a polêmicas, diatribes e dissensões. Não é tampouco objetivo desteartigo fomentar atritos e discordâncias. Sua intenção é tão somente resgatar o passado e registrar fatos esquecidos ou desconhecidos.

Em 17 de dezembro de 2014, a então governadora Rosalba Ciarlini sancionou a Lei 9.903/2014, aprovada pelo parlamento estadual, dando nome à Barragem de Oiticica. Não está em questão o mérito do homenageado.Em que pesem os ritos legais e administrativos, o fato é que aquele reservatório hídrico sequer estava concluído. Relevem-me a comparação: batizou-se uma criança sem a mesma ter nascido. Ou por outra, houve o registro de nascimento de um nascituro no útero materno. Isto sói acontecer na administração pública brasileira nas diversas esferas. Por outro lado, como se expressou o imortal Vicente Serejo: “Homenageiam-se mais os políticos”. No entanto, esquecem-se nomes e figuras importantes.

Oiticica nasceu sob a égide da unanimidade entre os líderes seridoenses. Prefeitos, deputados, políticos, religiosos etc. foram ouvidos por Dom José Delgado. Este não pretendia um paliativo em tempos de seca, mas uma obra que desse segurança hídrica e sustento aos moradores da região. O preclaro antístite empenhou-se para que as obras fossem adiante. Em 1951, permitiu que seu vigário geral e diretor do Ginásio Diocesano Seridoense, Monsenhor Walfredo Dantas Gurgel, assumisse uma cadeira na Câmara Federal (era suplente) para que fosse o principal interlocutor do empreendimento junto ao poder central.

O primeiro bispo diocesano de Caicó envolveu toda a comunidade no projeto. Alguns detalhes demonstram a grandeza daquele eclesiástico. Nos idos de 1950, havia poucos médicos no Seridó. Dom José pensou também na saúde dos operários de Oiticica. Em Caicó, atuava um prático em enfermagem e farmácia, conhecido por todos com o nome de Cícero da Usina. O “enfermeiro” fora liberado de suas funções na Prefeitura de Caicó e noHospital do Seridó para prestar serviços junto aos operários da futura barragem. Ali fez curativos, aliviou a dor de muitos e orientou jovens e adolescentes, inexperientes operários alistados pelas frentes de trabalho.Naqueles anos de seca havia em Jucurutu a extração de xelita na Mina do Bonito, então propriedade de Dinarte Mariz. Tendo em vista a permanência de muitos operários, a administração da empresa contratou um médicocearense, Dr. Clóvis Vitorino Dantas. A Mina contava também com os serviços odontológicos de Dr. Morton Mariz de Faria. O prelado caicoense conseguiu de seu amigo e parente próximo Dinarte de Medeiros Mariz a liberação de tais profissionais para atender os operários da construção da barragem, ao menos um dia por semana. O atendimento era gratuito e corria a expensas da Mina. Não havia rubrica para contratação de tais profissionais pela administração da barragem, a cargo do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS.

Portanto, pode-se verificar que a Barragem de Oiticica foi um ícone do entendimento, diálogo e espírito de serviço que devem nortear os cristãos. Oxalá houvesse hoje esse mesmo clima! Tal foi a postura de Dom Delgado, agindo em nome da Igreja, que serve e ouve os gemidos de seu povo. Oportuno lembrar o que diz o apóstolo Paulo: “Portanto daí a cada um o que deveis; a quem tributo, tributo; a quem temor, temor; e a quem deveis honra, honra. (Rm 13, 7). Dom Delgado merece de nossa parte toda homenagem e gratidão. Esta é a nobreza da alma.

Por último, gostaria de acrescentar que Monsenhor Raimundo Sérvulo da Silva, pároco emérito de Acari, aos quinze anos de idade, foi alistado como cassaco das obras junto com seu pai José Sérvulo da Silva. Ali o zeloso, piedoso e dedicado presbítero derramou seu suor e sangue (por conta de um acidente de trabalho). Hoje, suas mãos ungidas de sacerdote merecem e devem abençoar a nova Barragem, no momento e ato de sua inauguração. “Sempre e em toda parte, reconheçamos e agradeçamos os benefícios que nos são dados.” (At 24, 3).