Jair Bolsonaro é um homem isolado no mundo e com um status equivalente a de um líder de uma republiqueta decadente e sanguinária.
Se essa era uma realidade que eu via e denunciava todos os dias nos últimos meses, a ficção que o bolsonarismo construiu nas redes sociais parecia conseguir sobreviver graças à impossibilidade de cúpulas presenciais e de viagens. O Zoom camuflava o desprezo que o mundo nutria pelo presidente brasileiro.
Mas isso tudo mudou com a decisão do G20 de organizar sua primeira cúpula presencial em dois anos, abrindo uma esperança para a reconstrução do mundo pós pandemia. A cúpula de Roma, assim, entra para a história como o momento em que líderes voltaram a se olhar, apertar mãos, ver a reação de desgosto ou simplesmente uma piscada de aprovação.
Para Bolsonaro, porém, foi reservado o mesmo tratamento que democracias dão para líderes constrangedores que, em certos momentos, passam por solo europeu. Muitos deles são ditadores ou personagens criticados por violações aos direitos humanos.
Em 2019, eu acompanhei a primeira viagem internacional de Bolsonaro. Ele foi ao encontro anual de Davos, poucas semanas depois de tomar posse. A fraude de seu governo, porém, já começava a ficar evidente para o mundo. Diplomatas do Itamaraty, de uma forma hábil, conseguiram reservar o palco principal do Fórum Econômico Mundial para o brasileiro, que teria um tempo de até 40 minutos para convencer a elite do planeta de que ele poderia ser um aliado do grande capital.
Mas sua fala foi decepcionante. Foram seis minutos de um discurso que mais parecia um pôster da Embratur. No dia seguinte, consegui entrar numa ala reservada onde o presidente estava com seus assessores para um café da manhã. Bolsonaro, que acabava de assumir uma das maiores economias do mundo, comentava com um entusiasmo infantil o fato de ter sentado ao lado de reis e empresários no jantar, na noite anterior.
Ele não tinha entendido que quem estava sentado ali era o presidente do Brasil, um mercado cobiçado pelas grandes multinacionais. Não o indivíduo Jair. Minutos depois de se gabar de estar na mesa dos grandes, seu filho Eduardo soltou um comentário aos demais assessores durante o café: “a palavra bilionário se escreve com ou sem (a letra) H?”.
Dois anos e meio depois, o analfabetismo diplomático do governo ficou evidente em Roma e eternizou um homem sem aliados, sem amigos, que menosprezou outros líderes, que ofendeu parceiros comerciais e que jogou o Brasil na sarjeta da diplomacia.
As imagens falavam por si mesmas. O primeiro-ministro italiano Mario Draghi já deu o tom assim que Bolsonaro chegou. O brasileiro, sem vacina, não recebeu um aperto de mão por parte do italiano. Estava claro: ele era tóxico.
Minutos depois, num canto da sala, seu isolamento era total, enquanto Angela Merkel, Macron, Boris Johnson, Antonio Guterres, Morrison, Trudeau, Modi e tantos outros buscavam caminhos para lidar com a pandemia e clima. Mas, entre esses chefes de governo, não faltavam ironias com o Brasil.
Mas não era apenas na antessala do G20 que o isolamento ficou escancarado. Sua agenda em três dias por Roma previa apenas um encontro protocolar com o presidente da Itália, Sergio Mattarella – obrigado a receber todos os líderes na condição de anfitrião.
Ele ainda esteve com dois personagens menores na hierarquia da diplomacia: o secretário-geral da OCDE e, num sofá numa ala de espera do local da cúpula, Bolsonaro manteve uma conversa de alguns poucos minutos com Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. Nenhum dos dois toma decisões. A realidade é que, enquanto o balé de carros blindados cruzava Roma por três dias, nenhum chefe de governo encontrou tempo para uma reunião com Bolsonaro.
Sem programação, ele saiu para caminhar e fazer turismo todos os dias em que passou pela capital italiana. Ironicamente, porém, não entrou no Vaticano e apenas conheceu o local por fora. Afinal, não havia sequer reunião marcada com o papa Francisco.
O único encontro marcado com um líder europeu, de fato, será nesta terça-feira. Trata-se do representante da extrema-direita italiana, Matteo Salvini. A ironia é de tamanha proporção que o brasileiro convidou seu aliado europeu e acusado de repetir políticas fascistas para estar na homenagem que Bolsonaro fará aos militares brasileiros que lutaram em 1944 contra….o fascismo.
O encontro com o político italiano que o resto da Europa se recusa a se reunir ainda ocorre no mesmo momento em que o mundo estava em Glasgow para negociar o futuro do planeta. Ciente que seria alvo de protestos, Bolsonaro optou por ficar longe do epicentro hoje das decisões globais.
Realidade paralela na diplomacia não funciona
Enquanto o vexame internacional era claro, o bolsonarismo sequestrou o estado para promover a sua base mais radical que ficou no Brasil uma viagem que simplesmente não existiu. Com a ajuda da porta dos fundos da embaixada do Brasil em Roma, o presidente escapou da imprensa e de perguntas incômodas. Caminhou com apoiadores que tinham sido orientados a ficar em determinadas áreas, enquanto equipes de seu gabinete faziam imagens “limpas” do suposto sucesso da viagem.
A seleção de quem entre os jornalistas recebia informação era evidente. Duas redes de TV próxima ao presidente foram as únicas que tiveram acesso a um jantar que ele teve na embaixada, na noite da sexta-feira. No dia seguinte, o discurso do presidente no G20 “vazou” apenas para uma emissora aliada ao governo. O restante da imprensa teve de esperar mais três horas.
A agenda oficial do presidente enviada para a imprensa tampouco era baseada em fatos reais, enquanto a Secom apenas repetia uma frase constrangedora ao ser questionada sobre diferentes pontos: “não temos informação”.
Mas a Itália já nos ensinou com Pinóquio que mentira não prospera. Ao deixar sua bolha de segurança em Roma, Bolsonaro descobriu que era persona non grata em Pádua, que religiosos e a diocese local não querem recebê-lo e que, por onde passar, haverá uma resistência contrária por parte da população estrangeira.
Os jatos de água contra manifestantes apenas são vistos quando o convidado é um ser que viola os valores da sociedade democrática.
Assim, a turnê de Bolsonaro pela Itália é o retrato de um país sem lugar hoje na parcela do mundo onde a civilização é ainda um objetivo. É a imagem da falência de um governo em sua missão de construir uma relação com o mundo. Diplomacia é política pública, é um instrumento de combate à fome, de desenvolvimento industrial, de atração de investimentos e de melhorias sociais.
O G20 foi, portanto, um encontro fundamental. A cúpula revelou que o mundo desdenha Bolsonaro e que as polêmicas geradas por sua turnê são comparadas apenas a de líderes decadentes de republiquetas que inspiram Borat.
Fonte: Coluna Jamil Chade/UOL Notícias