Os indiciados

Por Antônio Carlos de Almeida Castro

“Ando muito completo de vazios.

Meu órgão de morrer me predomina.

Estou sem eternidades.”

Manoel de Barros

relatório final da CPI da Covid foi forte, técnico e corajoso. Atendeu, em boa parte, à expectativa de milhões de brasileiros que exigiam uma postura contra este governo que cultua a morte, dissemina a mentira e coloca os interesses financeiros acima até da vida. Homicidas e corruptos. 

As 80 pessoas indiciadas, dentre elas o Presidente da República, seus 3 filhos e várias outras autoridades, demonstram a força da rede criminosa que se apoderou de parte do espaço público no Brasil de Bolsonaro. Impressionam a quantidade e a qualidade das provas e indícios que foram amealhados. Foi até emocionante ver o resultado apresentado. Depois de quase 6 meses de investigação, esses indiciamentos deixaram nus boa parte dos que lucraram com a dor de milhões de brasileiros. 

Agora, tenho dito, é hora de dar efetividade ao papel desempenhado pelos senadores na CPI. Todas as pessoas sérias e com uma formação minimamente humanista aguardam os desdobramentos por parte do procurador-geral da República, no caso do enquadramento criminal, e do Presidente da Câmara, na análise dos inúmeros crimes de responsabilidade, sem prejuízo da manifestação do Tribunal de Contas e de outros órgãos. 

É o povo brasileiro que acompanha esses desdobramentos, uma nação que se coloca como vítima dessa gangue que usurpou até mesmo a alegria natural que nos caracterizava.

É importante, mais uma vez, frisar que não se trata aqui de uma disputa política, não há que se falar em esquerda x direita. O que nos move é uma definição da barbárie contra a civilização. O despudorado cinismo com que se houve o Presidente da República no enfrentamento da crise sanitária, e agora está comprovado, tinha objetivos políticos e financeiros. Nada ocorreu por acaso. Era a mentira e o engodo como estratégia de governo, sem medir as consequências. É uma maneira deliberada e estudada de manter um grupo fanático como base de sustentação de um governo corrupto, perverso e sem nenhum compromisso com o brasileiro.

Certamente, estamos diante da maior investigação coletiva já promovida por um órgão do Congresso Nacional. E como o objeto da CPI era investigar os responsáveis pelo desastre na condução da maior crise sanitária de todos os tempos, o resultado paralisou o país. Tivemos ao nosso lado, nesse acompanhamento diário das ações dos senadores, a presença invisível dos mais de 600 mil mortos como que a nos lembrar da nossa responsabilidade, de cada um de nós, na cobrança por justiça. 

Além dos que se foram, pelo menos 1/3 deles vitimados pela condução criminosa da crise, também nos une numa corrente imaginária milhões de pessoas que perderam entes queridos, amigos e companheiros. É quase impossível encontrar um único brasileiro que, em algum momento, não tenha sido vítima desse vírus maldito pelo menos com a contaminação de uma pessoa conhecida. 

O Senado fez a parte dele. Agora, cabe a cada um de nós fazer a sua. É impossível imaginar que esses que assaltaram o país, que riram e debocharam da dor e da angústia do povo brasileiro, que humilharam o Brasil frente ao mundo e que cultuaram a morte com a ganância de lucro e poder ficarão impunes. 

A recente declaração do Presidente da República, em uma live com repercussão nacional, mesmo depois de todo o trabalho da CPI, afirmando que a pessoa que tomar as 2 doses da vacina pode contrair AIDS demonstra o grau de insensibilidade, de falta de caráter e de cinismo desse governo. 

É um escárnio. A força, ainda que simbólica, da palavra do Presidente da República em um governo presidencialista certamente levará a um aprofundamento da política negacionista. E essa é a política que leva à morte, que agrava a situação dos hospitais e que sustenta a ação política cruel e desumana desse grupo. 

É hora de cobrarmos uma efetiva responsabilização de todos os envolvidos. Em respeito aos que se foram, em homenagem aos que ainda sofrem e, sobretudo, para que sejamos dignos de honrar o sonho e a esperança de termos um país justo e humano de volta. Depende de cada um de nós.

Lembrando-nos do grande Carlos Drummond de Andrade, no poema Os bens e o sangue:

“E a besta Belisa renderá os arrogantes corcéis da monarquia,

e a vaca Belisa dará leite no curral vazio para o menino doentio,

e o menino crescerá sombrio, e os antepassados no cemitério se rirão se rirão 

porque os mortos não choram.”

Fonte: IG Último Segundo