Empresas garantem suprimento do País, em caso de greve de caminhoneiros

Para Vander Francisco Costa, presidente da CNT (Confederação Nacional dos Transportes), se houvesse uma nova paralisação de caminhoneiros, as transportadoras dariam conta de abastecer o país. Ao governo, caberia apenas garantir segurança nas estradas.
Para ele, a lei da tabela do piso do frete prejudicou os próprios autônomos. Com o preço tabelado, ficou mais barato para as transportadoras aumentarem as frotas do que contratar terceiros. Soma-se a isso, a falta de demanda para todo o setor, devido a lentidão econômica.

O que mudou após a paralisação de 2018?
Não mudou grande coisa. Para os carreteiros, houve um pequeno aumento no preço praticado, cerca de 30%. A tabela do frete mínimo é cumprida por algumas transportadoras, por outras não. E a cabotagem apresentou um crescimento na ordem de 20% a 25%. As empresas estão buscando um modal mais competitivo para fazer o transporte.

Esses movimentos diminuem o serviço para os caminhoneiros autônomos?
O que está impactando mesmo é a falta de demanda. Havia a preocupação muito grande que alguns embarcadores comprassem frota, mas isso não ocorreu. Compraram somente aquelas empresas que, por decisão estratégica, optaram por ter frota própria. Mas foi por estratégia de negócio e não por medo de greve de carreteiro.

De acordo com a Fenabrave, houve um aumento de 46% no número de emplacamentos de caminhão de 2017 para 2018.
A maior parte são empresas de transporte que está comprando. Hoje há uma opção das transportadoras em trabalhar mais com frotas próprias e menos com autônomo.

Essa decisão tem alguma coisa a ver com a paralisação de 2018?
Tem, por conta da insegurança jurídica da tabela do frete. Nós temos uma lei [da tabela do frete] que é impositiva, mas não se sabe se ela é constitucional ou inconstitucional. Tem ações no STF (Supremo Tribunal Federal) que estão aguardando o voto do ministro [Luiz] Fux. Se ele entender que é constitucional, todo mundo que contratou um carreteiro abaixo da tabela passa a ter um passivo muito grande.

As empresas teriam de pagar para quem foi contratado abaixo da tabela?
Se for [julgada] constitucional, sim, porque a lei está vigorando. Os efeitos dela não foram suspensos. Por outro lado, se for julgado como inconstitucional, prevalece o que foi pago. Mas ficou essa insegurança muito grande. É por isso que os carreteiros estão sentindo falta [de fretes], o mercado deles diminuiu em função dessa insegurança jurídica.

Os autônomos reclamam que, após maio, as transportadoras compraram muitos caminhões e tiraram o trabalho deles.
Você não consegue revogar a lei da oferta e da procura. Na hora que, de forma impositiva, surge uma lei de tabela de frete querendo agredir a lei de mercado, naturalmente as empresas passam a buscar pelo preço. Com uma tabela de frete imposta artificialmente, fica mais barato você ter frota própria [do que contratar caminhoneiro terceirizado].

A tabela que está sendo desenvolvida pela Esalq-USP agradaria autônomos e transportadoras?
Não. Não tem como fazer uma tabela de frete que consiga agradar o Brasil inteiro. Se você pegar o óleo diesel, vai ver que tem diferença [de preço] muito grande de uma região para outra, até mesmo dentro de um mesmo estado, e isso impacta no preço final [do frete]. O consumo do óleo diesel muda de acordo com a marca do veículo e com o terreno por onde ele irá circular -se estou subindo uma serra, vou gastar mais do que se estiver no plano. Em São Paulo, gasta-se menos com óleo e mais com o pedágio. Ou seja, são muitas variáveis.

Qual a melhor solução?
A tabela do frete foi necessária naquele momento da greve. Os contratantes de frete estavam usando o poder econômico para impor um preço abaixo do custo variável.

Quem são os contratantes?
As trades fazem isso com muita frequência. As agrícolas, por exemplo, compram a safra dos produtos quando ainda estão sendo plantando. E naquele preço, já desconta uma parcela pelo frete. Ou seja, ela está estimando o preço do frete. Então, quem estima para cobrar, joga o preço para cima; na hora de pagar o frete, ela usa o poder de barganha e paga menos [para as transportadoras] do que o mercado cobra.
As transportadoras não ganham muito não, quem ganha são esses intermediários.

E qual a solução para a situação dos autônomos?
Primeiro precisa ter segurança jurídica. O Supremo precisa interpretar a constituição. Tem que julgar. Julga e acaba.
Outra coisa é a Petrobras. Ela tem como trabalhar com mais previsibilidade em benefício da sociedade brasileira e sem comprometer seus resultados. Ela pode determinar aumento de preço a cada três ou quatro meses e fazer hedge do preço. É uma ferramenta que tem disponibilidade no mercado internacional. Se quisesse, o governo também poderia fazer um imposto flexível no preço do óleo diesel para poder suportar as pequenas variações diárias e dar mais previsibilidade do preço.

​Os caminhoneiros dizem que o frete não cobre mais suas despesas básicas.
Talvez a melhor decisão que o judiciário pode tomar é acatar os dois argumentos da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade). O primeiro fala que é inconstitucional. O segundo diz que deve haver livre concorrência, mas, quando tem um desequilíbrio econômico-financeiro, é obrigação do governo interferir. E no caso do frete, estava tendo esse desequilíbrio quando algumas empresas pagavam menos do que o custo necessário para o carreteiro ter uma vida com dignidade.
Para concertar, o STF pode por a tabela valendo por seis meses e depois o mercado volta a trabalhar normalmente. A interferência no domínio econômico tem que ser temporária, só para corrigir a distorção.

E por que o sr. acha que isso não está sendo feito?
Por absoluta falta de vontade, de sensibilidade política, falta de querer. Isso é feito no mundo inteiro pelas grandes petroleiras. Não estou querendo que volte aquela [política do] governo passado, que segurou artificialmente por três anos e meio, não é isso. Mas, sim, usar uma ferramenta de mercado.

A CNT tem conversado com o governo?
Eu tenho conversado com a [pasta] de Infraestrutura e Economia. Especificamente sobre o preço do óleo diesel, ainda não conversamos. Tiveram algumas audiências, mas foram eleitos outros interlocutores para falar, por ocasião da ameaça de greve.

O sr. está falando sobre as reuniões com as lideranças dos caminhoneiros autônomos?
É complexo você negociar com uma categoria se orgulha em ter lideranças esparsas. São lideranças regionais, as vezes com mais de uma por estado, e por tipo de carga transportada. O governo abriu mão de falar com as transportadoras por causa da greve e acabou indo falar direto com o autônomo.

Porque havia uma ameaça de greve, certo?
Cheguei a falar com alguns ministros que [no caso de uma outra paralisação], se eles garantirem que nossos caminhões vão poder transitar com segurança, sem risco aos motoristas, nós garantimos o suprimento do Brasil.
A nossa frota é mais do que o dobro que a dos autônomos. E metade dos autônomos trabalha como agregado nas empresas de transportes. Então, se tiver segurança, se não tiver risco de morte como teve no ano passado, os nossos motoristas vão trabalhar e vão garantir o abastecimento.

Ano passado, houve investigações sobre transportadoras que poderiam estar fazendo locaute. Isso aconteceu?
Alguns empresários tiveram simpatia pela greve, assim como boa parte da população aplaudiu o movimento no começo da greve, porque tinham a visão equivocada de que era o preço do diesel que estava alto. Não era o preço que estava alto, mas o frete é que estava baixo. Se eu conseguir passar o diesel para o preço do meu frete final, ele passa a ser só mais um componente na formação de custo.

A subida do frete não pode impactar a inflação?
Muito pouco, eu fiz algumas contas. Se você aplicar a tabela no transporte no litro de leite, vai ver um repasse de um centavo. Não é tão significativo assim.

Quem é o maior impactado com o aumento do preço do frete?
É o lucro de quem está pagando pelo frete. A opção então não foi diminuir os lucros, mas comprar frota. O preço da tabela do frete ficou acima do custo de operar frota própria, com caminhoneiros que trabalham no esquema CLT. (Folhapress)

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