TikTok pagou menos de um salário mínimo para funcionários sem registro trabalharem até 18 horas por dia. Depois tentou nos enrolar.
Publicamos hoje uma reportagem que conta como o TikTok usou trabalhadores brasileiros terceirizados para transcrever vídeos ao custo de menos de um salário mínimo por pessoa. E a rede social, que comemorou a marca de um bilhão de usuários ativos nesta semana, não estava pagando por um trabalho qualquer: era, segundo um dos gerentes, a força humana que ajudava a alimentar a inteligência artificial.
Adriana Zanotto, uma das pessoas que denunciou o projeto, por exemplo, passou um mês inteiro fazendo transcrições de trechos de vídeos e ainda não recebeu os R$ 700 que lhe haviam prometido em nome da ByteDance, a dona do TikTok. Levou um calote.
A história completa está aqui. Mas, antes, eu quero contar uma parte deste processo de apuração.
Como sempre, tentamos pegar o “outro lado” do TikTok. No jargão jornalístico, o “outro lado” é o contraponto à história que está sendo contada, a versão dos acusados sobre os fatos narrados. Mas, no caso das grandes empresas de tecnologia, é como falar com um atendente de telemarketing robotizado.
Respostas objetivas praticamente inexistem. Existem notas padrão, produzidas geralmente por assessorias de imprensa terceirizadas, e pouca prestação de contas ao público sobre o que acontece nas plataformas. Isso, é claro, nos melhores casos. Nos piores, o que impera é o silêncio.
Na reportagem que publicamos hoje, o TikTok simplesmente se recusou a responder. Foram várias tentativas por e-mail, WhatsApp e telefone desde julho deste ano. O repórter Paulo Ribeiro teve uma única resposta, em que a assessoria de imprensa terceirizada pediu mais informações sobre o “enfoque” e “de onde a pauta surgiu”. Depois que ele explicou que o texto partiu de denúncias de funcionários e que havia documentos e vídeos que corroboravam os relatos, não houve mais resposta.
Ligamos para a assessoria de imprensa. Ouvi que seria preciso falar com a ByteDance, dona do TikTok, nos EUA. Tentamos, então, pedir uma resposta deles diretamente para o diretor de comunicação da empresa. Ele também nos ignorou.
Era um trabalho “terceirizado do terceirizado”, como definiu uma das gerentes do projeto, em uma cadeia tão diluída que não apenas o dinheiro se esvaía entre os contratantes – mas, também, a responsabilidade. Zanotto diz que nunca teve nenhuma resposta das recrutadoras brasileiras. O contratante paquistanês afirmou que o valor não foi pago por causa da “baixa qualidade” das transcrições. A ByteDance, avisada por ela em um e-mail formal, também ignorou.
Entre julho e setembro de 2021, o TikTok enviou 11 e-mails com releases sobre campanhas, parcerias publicitárias e novidades na plataforma. A assessoria de imprensa estava trabalhando duro, mas para controlar a narrativa sobre a companhia. Perguntas incômodas poderiam ser deixadas de lado sem prejuízo para a marca.
Eu poderia dizer que se trata de um problema, digamos, mais pessoal com o Intercept. Isso porque foi publicado, no ano passado, duas reportagens que deram muito trabalho para a equipe de relações públicas da empresa. Em uma, contamos como, diante de um suicídio transmitido ao vivo, a empresa correu para limpar sua imagem antes mesmo de ligar para a polícia. Em outra, detalhou-se as absurdas políticas de moderação de conteúdo, que orientavam pela supressão de favelas e pessoas feias.
Fonte: TIB